sábado, abril 30, 2005
Pedaço americano na Amazônia
Fordlândia é um pedacinho dos Estados Unidos perdido no meio da Amazônia. A crise da borracha veio enterrar os planos do empresário Henry Ford que, na década de 30 iniciou aqui um mega projeto de extração e beneficiamento do produto. O que sobrou foi uma cidade fantasma. Andar por suas alamedas é caminhar pelo passado. É difícil a gente não tentar imaginar como era aquilo tudo funcionando. As casas, hoje desertas, as mangueiras plantadas no caminho, as calçadas, tudo tem cheiro de passado, de história que não progrediu. E o sentimento de pasmo se mistura à melancolia por causa do abandono daquele lugar. Muito já se perdeu e é pena que continue a ser deteriorado.
Na casa onde Ford passou uns tempos com a família, alguns móveis e livros resistem. Achei, entre livros de medicina, alguns exemplares de literatura infantil e Flaubert! Um "Madame Bovary" com cara de muito gasto. Penso que as mulheres tinham bom gosto. Na sala, a bandeira do Estados Unidos ainda se mantém exposta...
Vício
Há tanta vida lá fora
O homem que não sabe mentir
- Foi genial! Foi muito bom! Foi bom, enfim, foi razoável. Foi uma chatice. Uma absoluta perda de tempo.
- Ah!...
sexta-feira, abril 29, 2005
Nancy Sinatra na Casa da Música
CONTRA-INFORMAÇÃO
Um coração à prova de balas...
Espero
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.
Sophia de Mello Breyner
Pensamentos avulsos...
"Um homem bem tratado engorda. São como o gado. Toda a gente sabe isso."
"Mma Ramotswe sabia que os homens estavam longe de ser perfeitos, que muitos eram maus, egoístas e indolentes, e que, no conjunto, tinham fracassado na sua gerência de África. Mas isso não era razão para os tratar mal".
"Seria ela aconselhada a perder peso? Mma Ramotswe achava tal conselho completamente desnecessário e provavelmente o primeiro passo para a infelicidade".
"Às vezes Mma Ramotswe pensava que as pessoas do outro lado do mar não tinham espaço no seus corações para a África, porque nunca ninguém lhes dissera que os africanos eram exactamente como elas".
"É esse o problema dos governos de agora. Estão sempre a querer fazer coisas, estão sempre muito atarefados a pensar nas coisas que podem fazer a seguir. Não é isso que as pessoas querem. As pessoas querem que as deixem em paz para cuidar do seu gado".
"Hoje em dia muitos homens usam perfume. Pensam que isso os faz cheirar bem. Todos sabemos como os homens cheiram mal".
"Falar de abóboras não as faz crescer".
Bom dia!
(Foto de Adenor Gondim, para a série "Os Negros de Jean Genet" - São Salvador da Bahia, 1996)
quinta-feira, abril 28, 2005
Será?
BENFICA[002]
Originally uploaded by rui baptista.
Aqui fica uma brincadeirinha enviada por e-mail pela Patrícia Coelho Moreira, uma portista com sentido de humor. Deixem-me sonhar, como dizia o José Torres.
Intendência
2. Devo andar distraído, mas só esta semana descobri Mma Ramotswe, a detective do Botswana criada por Alexander McCall Smith. Li A Agência nº 1 de Mulheres Detectives numa tarde, e fui a correr comprar as Lágrimas da Girafa. Agora comecei Moralidades e Raparigas Bonitas. Pensava que McCall Smith fosse negro e africano, mas afinal descobri que se trata de um velhote branco com ar bonacheirão que vive na Escócia. Devia ter suspeitado, em especial quando Mma Ramotswe se põe a filosofar sobre a dimensão de África, sobre o cheiro de África. África, Mãe África, como dizia o outro. Tirando isso, as aventuras de Mma Ramotswe são de uma simplicidade desarmante, de uma ingenuidade que comove. E fazem-me ter saudades de uma terra onde não vivi.
Mattino
Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã ?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte
Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã
Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos
Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e os troianos
Com o padre e o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois pecai comigo
Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma
ternura tão simples
que tu desfalecerás
Procurem por toda a parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.
Manuel Bandeira
O vídeo que faltava de apoio a Blair
Daily Show versus Microsoft
quarta-feira, abril 27, 2005
O beijo foi vendido
Um dos ícones da fotografia do século XX foi vendido por 155 mil euros,
um valor recorde. Foi a mulher que se deixou beijar junto a uma esplanada de Paris que o vendeu.
Há 55 anos, Françoise Bornet foi beijada por Jacques Carteaud, o namorado, numa rua movimentada de Paris. Sentado a uma das mesas da esplanada do Hôtel de Ville, Robert Doisneau registou o momento, criando uma das mais românticas do século XX. Mas tudo tem um preço. Até um ícone romântico.
Brisa com mais lucros
No, I don't have a gun
Come as you are, as you were,
As I want you to be
As a friend, as a friend, as an old enemy
Take your time, hurry up
The choice is your, don't be late
Take a rest as a friend as an old memorie.
Come dowsed in mud, soaked in bleach
As I want you to be
As a trend, as a friend, as an old memorie.
And I swear that I don't have a gun
No I don't have a gun
terça-feira, abril 26, 2005
Douro
Acabo de regressar do Douro, essa terra das maravilhas. Venho de alma cheia. E com um poderoso louvor a quem comigo percorreu esses trilhos de esplendor. E sabem que mais? Senti a falta "disto", apesar da outra plenitude.
segunda-feira, abril 25, 2005
Más notícias
Para já está imobilizada, com uma perna ao alto e o braço direito ao peito, o que a impede naturalmente de usar um computador. Mas eu acredito sinceramente que vai recuperar depressa e que a voltaremos a ter aqui rapidamente. Nem que ela dite e eu escreva.
Querida Maria: as melhoras. Estamos todos a torcer por ti. Volta depressa, porque esta casa sem ti não tem piada.
Tão perto que parece longe...
Não fica nos terraços da saudade
não fica nas longas terras. Fica exactamente aqui
tão perto que parece longe.
Tem pinheiros e mar tem rios
tem muita gente e muita solidão
dias de festa que são dias tristes às avessas
é rua e sonho é dolorosa intimidade.
Não procurem nos livros que não vem nos livros
País de Abril fica no ventre das manhãs
fica na mágoa de o sabermos tão presente
que nos torna doentes sua ausência.
País de Abril é muito mais que pura geografia
é muito mais que estradas pontes monumentos
viaja-se por dentro e tem caminhos veias
- os carris infinitos dos comboios da vida.
País de Abril é uma saudade de vindima
é terra e sonho e melodia de ser terra e sonho
território de fruta no pomar das veias
onde operários erguem as cidades do poema.
Não procurem na História que não vem na História.
País de Abril fica no sol interior das uvas
fica à distância de um só gesto os ventos dizem
que basta apenas estender a mão.
País de Abril tem gente que não sabe ler
os avisos secretos do poema.
Por isso é que o poema aprende a voz dos ventos
para falar aos homens do País de Abril.
Mais aprende que o mundo é do tamanho
que os homens queiram que o mundo tenha:
o tamanho que os ventos dão aos homens
quando sopram à noite no País de Abril.
Manuel Alegre
Praça da Canção
Grândola
domingo, abril 24, 2005
CDS
sábado, abril 23, 2005
Estive em Aveiro...
Cidade muito engraçada. Um ovinho. Tenho a impressão de que se acaba em uma rua. Parece aquelas cidades de cinema que só tem fachada. Pois bem. Aveiro é uma cidade de fachada onde você não se perde nem que queira muito. Um pedacinho de nada escondido dentro de uma unidade de conservação, a Floresta Nacional do Tapajós. A frente da cidade denuncia seus colonizadores lusos. Tem uma igreja, bem ao estilo português, que resiste ao tempo como testemunha de uma história de mais de 300 anos, e uns monumentos da época de Amaro Lisboa, o dito que fundou a cidade em 1781. Assim como a Aveiro de Portugal, a Aveiro amazônica tem vistas para um rio...Ah, e o pôr do sol é lindo, como penso ser aí também...
De volta!
Bem no dia mundial do livro! Ou será que eu perdi esta festa? Pois vou logo sugerindo um que me fez rir a valer nesta última viagem: "As Mentiras que os Homens Contam", do Luiz Fernando Veríssimo. Eu sei, é velho, mas continua a ser um barato!
Bem, cá estou, voltando de mais um tur pela Amazônia...Passamos uma semana a bordo deste barco. Uma espécie de escola agropecuária. Mais uma tentativa do governo brasileiro se ver livre da febre aftosa. Parece-me uma idéia promissora.
E foi uma viagem para além de inesquecível. Desta vez não vi onças, nem sucuris. Vi um jacaré, de longe, araras amarelas e azuis. E uma infinidade de outros pássaros coloridos. E bois, claro, que a idéia era vê-los em farta quantidade nos pastos alagados da Amazônia. E conheci pedaços colonizados por portugueses, outros fabricados por americanos. Penso em colocar umas fotos de Aveiro... Ah, navegar, navegar sempre, continuar navegando...Um renovar contínuo da alma. Melhor terapia, ainda estou pra conhecer...
sexta-feira, abril 22, 2005
Livros e ideias à solta
Outra coisa: já deram conta que, para comemorar o Dia Mundial do Livro, amanhã, portanto, a FNAC está a oferecer um livro na compra de outros?
Ora diga lá, de uma só vez...
Conseguiu? Eu não! 46 letras para articular. É obra.
Esta é, de acordo com a revista VEJA, a maior palavra na nossa língua, tendo por referência o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Esta modesta palavra descreve o estado de quem é acometido de uma doença rara provocada pela aspiração de cinzas vulcânicas.
Oftalmotorrinolaringologista e anticonstitucionalissimamente, também constam nesta contabilidade de palavras de fácil pronuncia. Depressa e bem...
Arre...espero não me ter enganado a passá-las para aqui!
Música & muitos livros, graças a vós!
God bless everyone!
Começar o dia com Tom Waits é, pois - já nos tínhamos manifestado - uma bênção.
Ontem, apesar de ter chegado a duvidar, pois o final do dia foi atribulado, terminei com Joe Lovano/ Hank Jones Quartet. O concerto, na Casa da Música, foi bastante agradável. Momentos sempre em crescendo, proporcionados pelo piano, baixo, bateria e o sempre eterno saxofone. Hank Jones, como sabem, é uma das lendas vivas do jazz, tendo acompanhado, ao piano, Ella Fitzgerald, Charlie Parker, Coleman Hawkins e muitos outros mitos do jazz. A interpretação, a fechar, de uma das mais belas composições de Jonh Coltrane, deixou-me nas nuvens. Mas, vou confessar algo que poderá não ser assim muito politicamente correcto. E, atenção, acho a Casa da Música utilíssima e lindíssima. Mas, mesmo assim, passou-me pela cabeça, durante o espectáculo, que aqueles músicos fantásticos ficavam, lindamente, no palco do Rivoli! Talvez por ser mais aconchegado, talvez pelo género musical, talvez por hábito. Não sei, ao certo. Mas passou-me!
E agora, em jeito de agradecimento a todos quantos colaboraram e nos deixaram a sua sugestão (tões), em alguns casos, deixo a letra desta música de Elis Regina. Foi o que me ocorreu quando comecei a ler as vossas propostas.
Vou aceitar a sugestão de alguém e imprimir a folha! Não duvidem. E claro, sugerir um único livro é uma missão difícil! Estou convicta que, também desta forma,com este gesto simples, estamos todos a contribuir para a promoção do livro e da leitura.
«Eu quero uma casa no campo
onde eu possa compor muitos rocks rurais
e tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
onde eu possa ficar do tamanho da paz
e tenha somente a certeza dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
um filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
a pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
do tamanho ideal
pau-a-pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
meus discos
meus livros
e nada mais».
Ilusão de Sol
O dia acordou embrulhado. Parecia mais uma daquelas jornadas que ninguém quer. Saudades do sol. Da luz. Em cima, as núvens empurram-nos olhos para os estilhaços do anticlimax da coisa. Até que... Não, não foi um poema, apesar de ser pura poesia. Folheio a imprensa da manhã e deparo com um verso de Belmiro de Azevedo: "O líder de um dos principais grupos empresariais portugueses sublinhou que se é verdade que um patrão pode despedir um trabalhador, não é menos verdade que um profissional competente, que se sinta maltratado, também pode despedir o patrão". Uma inevitável ilusão de luz.
Bom dia
LIVROS
1. Os Maias
2. Agosto, de Rubem Fonseca Apaixonei-me por este livro ao ler o primeiro parágrafo. Com uma linguagem enxuta, expurgada de adjectivos, Rubem traça o retrato de um Brasil à procura de rumo. Getúlio tem laivos de uma trágica figura da Grécia Antiga e o "Anjo Negro" é bigger than life. E depois há pelo meio uma história de amor adulto, amargo, doloroso, como convém.
3. Uma Casa para Mr. Biswas, de V.S. Naipaul O livro começa da maneira mais improvável, com a revelação da morte do protagonista escassos meses após ter concretizado o sonho de ter uma casa própria. Com este arranque doloroso, Naipaul construiu um grande, grande livro. Mr. Biswas é um herói improvável: fraco, de moral duvidosa, sufocado pela tirania da família mulher, sempre reprimido por pequenos tiranetes. Mas resiste com estoicismo, vence a mediocridade e acaba redimido. Acaba jornalista - um jornalista remediado, que usa as palavras para enfrentar um mundo que não tolera perdedores.
4. Vinte Mil Léguas Submarinas, de Julio Verne - Foi o grande livro de aventuras da minha infância. Li tudo o que encontrei de Verne, Salgari, London, etc. mas nada ultrapassou a emoção de embarcar no Nautilus com o Capitão Nemo. Ainda hoje dou por mim às vezes a sonhar com aventuras em mares distantes. Mares do sul,claro.
5. Poesias de Álvaro de Campos - O meu heterónimo preferido de Pessoa. Parece-me às vezes que Álvaro de Campos sou eu. Chega?
6. O último suspiro do Mouro, Salman Rushdie - A partição da Índia é um tema formidável, com o seu milhão de mortos e os episódios extraodinários de violência e paixão. O livro rescende a especiarias. Folheio-o e soltam-se odores de cardamomo e cravinho.
7. A festa do chibo, Mario Vargas Llosa - Eu sei que há quem prefira outros autores latino-americanos e até outras obras de Llosa. Eu mesmo gosto muito das Conversas na Catedral ou a Guerra do Fim do Mundo. Mas a festa do Chibo vale acima de tudo pelo retrato apaixonado das ditaduras da América Latina, que misturavam o mais sórdido dos paternalismos com um populismo abjecto. Já para não falar da enorme violência moral e física que foi imposta a gerações de pessoas que queriam simplesmente ser felizes.
E pronto. Em jeito de conclusão, deixo-vos com as palavras de Caetano Veloso para o álbum LIVRO:
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.
quinta-feira, abril 21, 2005
Dia Mundial do Livro - sugira um, por favor.
Nós, aqui pelo blog, podemos também assinalar o dia, antecipaadamente!
Pedia a todos o favor de, nos comentários, nos sugerirem um livro que tenham gostado de ler. E porquê, caso nos queira informar mais aprofundadamente. Ficaremos todos com sugestões, seguramente, agradáveis. Vamos a isso? Desde já obrigada pela colaboração.
Romance de uma intensidade feroz, capaz de abalar a nossa visão do mundo, das pessoas e do amor. Narrativa crua mas simultaneamente pura, uma vertigem de sentimentos com uma dimensão espiritual e que, por isso, tem de ser engolida pelo mar, pelo inexplicável... O Mar por Cima é um desafio à nossa tolerância e aos nomes dos nossos sentimentos.
Palavras
Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
O Sol da língua, Eugénio de Andrade
Bom dia! Hoje, apesar de toda esta chuva, estou assim... nem sei como dizer...talvez Hérberto Helder diga por mim: «Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer coisa extraordinária. »
Pensamento do dia
Oh, la-la, la-la, la-la,
Mon rêve familier
D'une femme inconnue, et que j'aime, et qui m'aime
Et qui n'est, chaque fois, ni tout à fait la même
Ni tout à fait une autre, et m'aime et me comprend.
Car elle me comprend, et mon cœur, transparent
Pour elle seule, hélas ! cesse d'être un problème
Pour elle seule, et les moiteurs de mon front blême,
Elle seule les sait rafraîchir, en pleurant.
Est-elle brune, blonde ou rousse ? - je l'ignore.
Son nom? je me souviens qu'il est doux et sonore
Comme ceux des aimés que la Vie exila.
Son regard est pareil au regard des statues,
Et, pour sa voix, lointaine, et calme, et grave, elle a
L'inflexion des voix chères qui se sont tues.
P. VERLAINE
(Aishwarya Rai)
quarta-feira, abril 20, 2005
São gostos
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti eu criarei um dia puro
livre como o vento e repetido
como o florir das ondas ordenadas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
«O mar é o nosso infinito, o lugar de todos os sonhos», ensinou-me um anónimo. A fotografia é de Daniel Camacho.
«Não se sobem montanhas com cordas partidas».
Foi assim que pontuaste, definitivamente, o nosso diálogo.
Três anos passados, talvez quatro - não sei ao certo - gostava de te recordar que não me esqueci. Nem do teu olhar.
Nunca ninguém pousou em mim tanta ternura.
Naquele tempo, em que os homens não falavam, eu era um equilibrista cego à procura de dizer. De sentir qualquer coisa.
Menos aquela inerte solidão acompanhada.
Menos o silêncio estéril, nascido entre nós.
Era o quebra-luz desnecessário, quando a noite teimava escura em nunca mais clarear. E o cume, eu sabia, era uma estrela vulgar.
Não lhe via as pontas prateadas. Mas escalava.
Naquele tempo em que as recordações queimavam como magma
pousadas na pele, nenhum verbo podia ser conjugado contra o teu peito.
E não chamaste por mim. Nem eu reconheceria a tua voz.
Nenhum pássaro sairia vivo das nossas feridas.
E nem o teu sorrio - como era meu o teu sorriso - seria o cativeiro que me esperava. Mas escalava.
Naquele tempo, quando todos os receios do mundo conspiraram
não soubemos ser quebra-mar. Necessariamente quebra-mar, quando
o mar teimava em levar-nos o coração para parte incerta.
«Não se sobem montanhas com cordas partidas».
E eu acreditei. Não sabia mais nenhuma prece.
Também já não tinha credo.
Nem sabia de onde partir, apenas com umas cordas partidas na mão.
Foi do teu olhar. Talvez. E percebi porque estava tão cansada.
Meu amigo: parabéns! E muitos, muitos anos de vida! Mais um, na senda dos quarenta, pois então. Quarenta e... Não me lembrei de nada melhor para te presentear. Pensei neste desenho de Júlio Resende. Tal como eu, sei que lhe aprecias o traço. Chama-se Conjunto Feminino. Um grande, grande abraço que, em breve, te darei mesmo.
Habemus...
Real emotional girl
Pétalas
Pensei que poderia pedir-te a
grinalda de flores que levas no pescoço,
mas não me atrevi. Fiquei esperando pela
manhã, quando tivesses ido embora, para
encontrar pedaços dela no leito. E fiquei na
madrugada feito mendigo, procurando
uma ou duas pétalas caídas.
As canções de amor e ócio
terça-feira, abril 19, 2005
Habemus Papam!
Adenda: é o cardeal Ratzinger. Mas isso vocês já sabem. E no post anterior, que sabe-se lá porquê saíu com a hora trocada, o Nuno já lhe traçou o perfil.
Raztinger
Cá em baixo, os humanos, impotentes para escapar a esta lógica macabra, têm frio.
Resolução
Considerando nossa fraqueza os senhores forjaram
Suas leis, para nos escravizarem.
As leis não mais serão respeitadas
Considerando que não queremos mais ser escravos.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.
Considerando que existem grandes mansões
Enquanto os senhores nos deixam sem teto
Nós decidimos: agora nelas nos instalaremos
Porque em nossos buracos não temos mais condições de ficar.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.
Do texto "Os Dias da Comuna", de Bertold Brecht
Sabem, não sabem?
Pois, então.
Hoje é um daqueles dias que começou mal.
Daqueles dias em que a lâmpada funde, a máquina de lavar a louça avaria pela terceira vez, as torradas queimam.
Um daqueles dias em que o chuveiro parte; nos esquecemos de pagar o condomínio e a pilha do comando da porta da garagem resolve pifar.
Daqueles dias em que uma simples reunião se converte numa "reunite aguda".
Um daqueles dias que, mesmo sem conclave, os "cardeais" não se decidem.
Sabem como é?
Um daqueles dias que até o papel tem de ser reposto quando chegou a hora de tirar aquelas fotocopias urgentes. A assistente fica com gripe; o telefone não pára de tocar. E são tudo assuntos urgentes, laborais. Ninguém para dizer olá.
Um daqueles dias em que às quatro da tarde ainda não se conseguiu almoçar e já se teve um apetite capaz de devorar todos os croissants da pastelaria mais próxima.
E agora só já apetece fumar cigarro, atrás de cigarro.
Um daqueles dias em que só nos apetece disparatar. Para ver se todos os outros páram. E sonhamos, mesmo não jogando, com o dia em que nos vai sair o totoloto. Só para nos poder dar aquele “vaipe” do homem do guichet, do spot televisivo, perante uma plateia aturdida.
E nós, loucos, felizes a mandarmos tudo que nos aborrece às urtigas!
Hoje é um daqueles dias em que um blog, por exemplo, é muito mais urgente do que um calmante.
Sabem como é, não sabem?
Fumo branquíssimo
Grande TVI! Grande povo português. O Vaticano é nosso.
Condi
Alguém é capaz de arranjar uma legenda de bom gosto para esta fotografia?
Miscelâneas
Das tuas ancas aos teus pés
quero fazer uma longa viagem.
Sou mais pequeno que um insecto.
Percorro estas colinas, são da cor da aveia,
têm trilhos estreitos que só eu conheço,
centimetros queimados,
pálidas perspectivas
Há aqui um monte.
Nunca dele sairei.
Oh que musgo gigante!
E uma cratera,
uma rosa de fogo humedecido!
Pelas tuas pernas desço
tecendo uma espiral ou adormecendo na viagem
e alcanço os teus joelhos
duma dureza redonda
como os ásperos cumes dum claro continente.
Para teus pés resvalo
para as oito aberturas
dos teus dedos agudos,
lentos,
peninsulares,
e deles para o vazio do lençol branco caio,
procurando cego e faminto
teu contorno de vaso escaldante!
O Insecto, Pablo Neruda
Menezes
Aprendiz de viajante
Creio que, na altura, acreditei no que lia. Estava doente, tinha quinze anos. Não me lembro da doença que me levara à cama, recordo apenas a impressão que me causara, então, o que acabara de ler.Os anos passaram - como se apagam as estrelas cadentes - e, ainda hoje, não sei se viajar cura a melancolia. No entanto, persiste em mim aquela estranha impressão de que lera uma predestinação.A verdade é que desde os quinze anos nunca mais parei de viajar. Atravessei cidades inóspitas, perdi-me entre mares e desertos, mudei de casa quarenta e quatro vezes e conheci corpos que deambulavam pela vasta noite... Avancei sempre, sem destino certo.Tudo começou a seguir àquela doença.Era ainda noite fechada. Levantei-me e parti. Fui em direcção ao mar. Segui a rebentação das ondas, apanhei conchas, contornei falésias; afastei-me de casa o mais que pude. Vi a manhã erguer-se, branca, e envolver uma ilha; vi crepúsculos e noites sobre um rio, amei a existência.
Dormia onde calhava: no meio das dunas, enroscado no tojo, como um animal; dormia num pinhal ou onde me dessem abrigo» em celeiros, garagens abandonadas, uma cama...
E quando regressei, regressei com a ânsia do eterno viajante dentro de mim.
Hoje sei que o viajante ideal é aquele que, no decorrer da vida, se despojou das coisas materiais e das tarefas quotidianas. Aprendeu a viver sem possuir nada, sem um modo de vida. Caminha, assim, com a leveza de quem abandonou tudo. Deixa o coração apaixonar-se pelas paisagens enquanto a alma, no puro sopro da madrugada, se recompõe das aflições da cidade.
A pouco e pouco, aprendi que nenhum viajante vê o que outros viajantes, ao passarem pelos mesmos lugares, vêem. O olhar de cada um, sobre as coisas do mundo, é único, não se confunde com nenhum outro.
Viajar, se não cura a melancolia, pelo menos, purifica. Afasta o espírito do que é supérfluo e inútil; e o corpo reencontra a harmonia perdida - entre o homem e a terra.
O viajante aprendeu, assim, a cantar a terra, a noite e a luz, os astros, as águas e a treva, os peixes, os pássaros e as plantas. Aprendeu a nomear o mundo.
Separou com uma linha de água o que nele havia de sedentário daquilo que era nómada; sabe que o homem não foi feito para ficar quieto. A sedentarização empobrece-o, seca-lhe o sangue, mata-lhe a alma - estagna o pensamento.
Por tudo isto, o viajante escolheu o lado nómada da linha de água. Vive ali, e canta - sabendo que a vida não terá sido um abismo, se conseguir que o seu canto, ou estilhaços dele, o una de novo ao Universo.
in O Anjo Mudo, Al Berto
segunda-feira, abril 18, 2005
Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.
Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi
desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
Manuel Alegre
PS. para a Pitonisa. Com saudades.