sexta-feira, abril 22, 2005
LIVROS
Não é fácil responder ao desafio que a M. Heli lançou no post anterior. Primeiro porque é impossível escolher apenas um livro. Escolher "o livro". E depois porque essa escolha tem que vir do coração. Não vale a pena ser racional, ou fazer uma lista para impressionar. Os livros de uma vida são exactamente isso: aqueles que nos tocaram, que nos impressionaram pelas melhores (e às vezes piores) razões. O meu critério foi esse. Esta curta lista pode não impressionar ninguém, pode não ser muito erudita, mas é a minha lista. Estes são alguns dos livros que contribuíram para ser o que sou hoje: um míope com mau-feitio e um nadinha anti-social.
1. Os Maias
2. Agosto, de Rubem Fonseca Apaixonei-me por este livro ao ler o primeiro parágrafo. Com uma linguagem enxuta, expurgada de adjectivos, Rubem traça o retrato de um Brasil à procura de rumo. Getúlio tem laivos de uma trágica figura da Grécia Antiga e o "Anjo Negro" é bigger than life. E depois há pelo meio uma história de amor adulto, amargo, doloroso, como convém.
3. Uma Casa para Mr. Biswas, de V.S. Naipaul O livro começa da maneira mais improvável, com a revelação da morte do protagonista escassos meses após ter concretizado o sonho de ter uma casa própria. Com este arranque doloroso, Naipaul construiu um grande, grande livro. Mr. Biswas é um herói improvável: fraco, de moral duvidosa, sufocado pela tirania da família mulher, sempre reprimido por pequenos tiranetes. Mas resiste com estoicismo, vence a mediocridade e acaba redimido. Acaba jornalista - um jornalista remediado, que usa as palavras para enfrentar um mundo que não tolera perdedores.
4. Vinte Mil Léguas Submarinas, de Julio Verne - Foi o grande livro de aventuras da minha infância. Li tudo o que encontrei de Verne, Salgari, London, etc. mas nada ultrapassou a emoção de embarcar no Nautilus com o Capitão Nemo. Ainda hoje dou por mim às vezes a sonhar com aventuras em mares distantes. Mares do sul,claro.
5. Poesias de Álvaro de Campos - O meu heterónimo preferido de Pessoa. Parece-me às vezes que Álvaro de Campos sou eu. Chega?
6. O último suspiro do Mouro, Salman Rushdie - A partição da Índia é um tema formidável, com o seu milhão de mortos e os episódios extraodinários de violência e paixão. O livro rescende a especiarias. Folheio-o e soltam-se odores de cardamomo e cravinho.
7. A festa do chibo, Mario Vargas Llosa - Eu sei que há quem prefira outros autores latino-americanos e até outras obras de Llosa. Eu mesmo gosto muito das Conversas na Catedral ou a Guerra do Fim do Mundo. Mas a festa do Chibo vale acima de tudo pelo retrato apaixonado das ditaduras da América Latina, que misturavam o mais sórdido dos paternalismos com um populismo abjecto. Já para não falar da enorme violência moral e física que foi imposta a gerações de pessoas que queriam simplesmente ser felizes.
E pronto. Em jeito de conclusão, deixo-vos com as palavras de Caetano Veloso para o álbum LIVRO:
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.
1. Os Maias
2. Agosto, de Rubem Fonseca Apaixonei-me por este livro ao ler o primeiro parágrafo. Com uma linguagem enxuta, expurgada de adjectivos, Rubem traça o retrato de um Brasil à procura de rumo. Getúlio tem laivos de uma trágica figura da Grécia Antiga e o "Anjo Negro" é bigger than life. E depois há pelo meio uma história de amor adulto, amargo, doloroso, como convém.
3. Uma Casa para Mr. Biswas, de V.S. Naipaul O livro começa da maneira mais improvável, com a revelação da morte do protagonista escassos meses após ter concretizado o sonho de ter uma casa própria. Com este arranque doloroso, Naipaul construiu um grande, grande livro. Mr. Biswas é um herói improvável: fraco, de moral duvidosa, sufocado pela tirania da família mulher, sempre reprimido por pequenos tiranetes. Mas resiste com estoicismo, vence a mediocridade e acaba redimido. Acaba jornalista - um jornalista remediado, que usa as palavras para enfrentar um mundo que não tolera perdedores.
4. Vinte Mil Léguas Submarinas, de Julio Verne - Foi o grande livro de aventuras da minha infância. Li tudo o que encontrei de Verne, Salgari, London, etc. mas nada ultrapassou a emoção de embarcar no Nautilus com o Capitão Nemo. Ainda hoje dou por mim às vezes a sonhar com aventuras em mares distantes. Mares do sul,claro.
5. Poesias de Álvaro de Campos - O meu heterónimo preferido de Pessoa. Parece-me às vezes que Álvaro de Campos sou eu. Chega?
6. O último suspiro do Mouro, Salman Rushdie - A partição da Índia é um tema formidável, com o seu milhão de mortos e os episódios extraodinários de violência e paixão. O livro rescende a especiarias. Folheio-o e soltam-se odores de cardamomo e cravinho.
7. A festa do chibo, Mario Vargas Llosa - Eu sei que há quem prefira outros autores latino-americanos e até outras obras de Llosa. Eu mesmo gosto muito das Conversas na Catedral ou a Guerra do Fim do Mundo. Mas a festa do Chibo vale acima de tudo pelo retrato apaixonado das ditaduras da América Latina, que misturavam o mais sórdido dos paternalismos com um populismo abjecto. Já para não falar da enorme violência moral e física que foi imposta a gerações de pessoas que queriam simplesmente ser felizes.
E pronto. Em jeito de conclusão, deixo-vos com as palavras de Caetano Veloso para o álbum LIVRO:
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.