quarta-feira, fevereiro 06, 2008

 

Vieira: Do Império do Verbo ao Verbo com Império

As comemorações oficiais do quarto centenário do nascimento do padre António Vieira arrancam esta quarta-feira com uma conferência do ensaísta Eduardo Lourenço, intitulada «Do Império do Verbo ao Verbo como Império».

O «Imperador da Língua Portuguesa», como lhe chamou Fernando Pessoa, nasceu em Lisboa no dia 06 de Fevereiro de 1606. Ao longo de 89 anos, o padre António Vieira atravessou sete vezes o oceano Atlântico e percorreu milhares de quilómetros no Brasil, onde faleceu. Missionário e diplomata, é também considerado um percursor da defesa dos direitos humanos.

Deixou uma obra literária composta por 200 sermões, 700 cartas, tratados proféticos e dezenas de escritos filosóficos, teológicos, espirituais, políticos e sociais.
Homem viajado, espírito europeu, não quis ser, como os seus compatriotas, um cafre da Europa, - era assim que lá fora chamavam aos Portugueses. Jogou a sua liberdade e até a sua vida ao serviço dessas ideias. É certo que a defesa que fazia dos oprimidos não seria inteiramente desinteressada; mas pôs por vezes nela tal convicção, tão generoso entusiasmo, que nos persuade saber conciliar os seus interesses de jesuíta com os da verdade. Vieira cria na virtude da educação - até nisso é moderno e se eleva acima do seu tempo. O índio boçal do sertão brasileiro poderia, através da cultura, ascender a alto nível espiritual. Demonstrou-o numa comparação famosa: a pedra informe que o estatuário arrancou da montanha, uma vez afeiçoada, pode dar uma imagem bela e até um santo do altar. A educação e a cultura poderiam pois corrigir a própria natureza.

Onde Vieira igualmente se assume como homem moderno é nos acesos debates para justificar a sua tese do Quinto Império. Considerou a propósito que o tempo era a chave das profecias, querendo com isso significar que em nenhum ramo do conhecimento humano o saber nos é dado de uma vez por todas. Pelo contrário, requeria-se a experiência que era filha do tempo bem como a crescente solidariedade entre os vários ramos do conhecimento, razão por que os modernos eram mais sabedores que os antigos, aceitando inclusive a célebre frase de S. Bernardo de Chartres para dizer que se considerava um anão aos ombros de um gigante, anão que nem por isso deixava de ver mais longe.

Também a este processo do conhecimento aplicou as grandes metáforas da cultura barroca. De facto, a verdade em si própria era uma e una, não estando sujeita às oscilações do tempo, mas o mesmo não acontecia com os sucessivos graus de conhecimento que dela vamos possuindo em aprofundamento progressivo. A verdade descobre-se lentamente, num processo repleto de obscuridades, onde o final se não vislumbra logo desde o início, em que a cada passo o entendimento fica em estado de suspensão, e expectante do desenrolar do enredo, «encubrindo-se de indústria o fim da história, sem que se possa entender onde irá parar, senão quando já vai chegando e se descobre subitamente entre a expectação e o aplauso».

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