segunda-feira, janeiro 15, 2007
O PÚBLICO - um diagnóstico
Transcrevo na íntegra um post do Luis M. Jorge no Vida Breve sobre o jornal PÚBLICO. Aqui fica também o linque para o blogue dele. Um dia destes, com mais distanciamento, deixarei aqui a minha posição sobre o jornal, ao qual permaneço ligado por apertados laços afectivos. Para já, acho que o texto do LMJ é um bom início de conversa.
Assisti desde o início ao interessante percurso do Público, um jornal que estimula em simultâneo a minha admiração e irritabilidade. O projecto pareceu-me logo bem feito: um diário dirigido à classe média alta, urbana, liberal, europeísta, viajada e culta. Posiciona-se como um produto premium, isto é, mais caro do que a concorrência, tem um design de grande qualidade, manuseamento intuitivo, e o suporte de um grupo económico que parece possuir, ao mesmo tempo, visão estratégica e uma noção razoável do que significa a independência editorial. O bafo gelado do engenheiro Belmiro faz-se sentir em entrevistas de seis páginas, concedidas em ocasiões especiais: a OPA da Sonae sobre a PT é o último exemplo que consigo recordar. De resto, suspeito que os administradores se preocupam mais com o preço do papel do que com as críticas feitas ao Primeiro-Ministro.
Sempre acreditei que não havia gente com dinheiro no país para garantir um número suficiente de leitores e a saúde financeira do jornal — embora entenda pouco desses assuntos — mas constatei com alívio que o marketing, ao menos, se recomendava. Nomeadamente:
- a criação de suplementos dirigidos aos leitores que escapavam ao perfil tradicional, permitindo ao diário fidelizar toda a família, com cadernos infantis e revistas sobre bem-estar ou temas espirituais.
- o lançamento de colecções de qualidade, principalmente os clássicos da literatura, que enriqueciam a marca e aumentavam, espero, os lucros.
- campanhas de publicidade razoáveis (coisa absolutamente extraordinária em Portugal).
- uma presença online que fazia a ponte com a juventude esclarecida e com a blogosfera em particular.
O jornal equilibrava bem os grandes temas com a pequena informação, chegando a ser luxuoso no tratamento da política internacional, e, embora não se destacasse no jornalismo de investigação (quem o faz, aqui na Bielorrússia?), reuniu depressa uma bela equipa de colunistas talentosos que em parte ainda mantém.
Enfim, era um produto magnífico — e seria maravilhoso, se desse dinheiro.
Não sei qual foi o motivo, mas ao fim de alguns anos os responsáveis do diário perderam o Norte. Os erros grosseiros acumularam-se um atrás do outro:
- o Público deixou de disponibilizar informação gratuita na internet. Qualquer estagiário competente devia saber que a decisão, entretanto corrigida, era suicidária. Um dia talvez fale a este respeito com mais detalhe.
- o Público alienou a esquerda moderada, que o lia em massa. Primeiro por causa das críticas quase diárias aos funcionários públicos, muitas vezes justas mas deselegantes. Toda a gente sabe que a esquerda com dinheiro, em Portugal, vive normalmente em contacto próximo com o aparelho de Estado. Atacá-la, naqueles termos, significaria inevitavelmente perder leitores.
- O apoio do seu director às teses neorepublicanas da Administração Bush e, em particular, à desastrosa guerra do Iraque, não ajudou o jornal. O relacionamento da opinião pública portuguesa com a América é complexo, e ignorar isso tem consequências.
- A refundação do Diário de Notícias fez com que o Público deixasse sair alguns colunistas talentosos de centro-esquerda, exactamente os que podiam contrariar os desvarios reaccionários de José Manuel Fernandes. Os leitores que não mudaram para o DN ficaram com o historiador-guerreiro Rui Ramos, com as jeremiadas do Pacheco Pereira, com a blasfema Helena Matos e claro, com as catilinárias da Maria de Fátima Bonifácio (entretanto misericordiosamente desaparecida). Um triste espectáculo, como se vê.
- Veio, depois, a cereja em cima do bolo: o lançamento de vários projectos liderados pela nossa direita ultraliberal, como é o caso da Atlântico, ou da ridícula revistinha Dia D. A Atlântico é um projecto interessante, com que o Público não ganhou absolutamente nada: não atraiu leitores novos, nem conquistou uma imagem revitalizada que permitisse ao jornal fazer as pazes com os leitores que perdera.
Quanto à Dia D, que poderemos dizer? Foi um derradeiro insulto à inteligência dos seres pensantes que ainda se dignavam a folhear aquele pasquim escalavrado. Uma homenagem reles e provinciana ao comércio livre, mal escrita, mal argumentada, sectária e triste. Um testemunho deprimente da miséria intelectual em que incorremos quando o chão nos falha e os deuses se silenciam para sempre.
Com o primeiro e patético número da Dia D, todos ficámos a saber que o Público enfrentava o seu irrecuperável crespúsculo.
Irrecuperável?
Talvez não. O Vasco Pulido Valente, como um Mencken torturado, mantém ainda a sua star quality. A Teresa de Sousa continua excelente a falar da Europa. O Rui Tavares revela-nos uma esquerda que não é folclórica, arruaceira ou escandalosamente alienada. Os temas desenvolvidos nas primeiras páginas costumam ser, ainda, interessantes. Os suplementos são francamente bons.
O Público tem, neste momento, um único problema facilmente resolúvel: o seu director. É ele, apenas ele, quem impede o jornal de recuperar o brilho que perdeu.
Tal como a Bush, já não há volta a dar a José Manuel Fernandes. Venha o Sérgio Figueiredo: ele saberá o que fazer.
Assisti desde o início ao interessante percurso do Público, um jornal que estimula em simultâneo a minha admiração e irritabilidade. O projecto pareceu-me logo bem feito: um diário dirigido à classe média alta, urbana, liberal, europeísta, viajada e culta. Posiciona-se como um produto premium, isto é, mais caro do que a concorrência, tem um design de grande qualidade, manuseamento intuitivo, e o suporte de um grupo económico que parece possuir, ao mesmo tempo, visão estratégica e uma noção razoável do que significa a independência editorial. O bafo gelado do engenheiro Belmiro faz-se sentir em entrevistas de seis páginas, concedidas em ocasiões especiais: a OPA da Sonae sobre a PT é o último exemplo que consigo recordar. De resto, suspeito que os administradores se preocupam mais com o preço do papel do que com as críticas feitas ao Primeiro-Ministro.
Sempre acreditei que não havia gente com dinheiro no país para garantir um número suficiente de leitores e a saúde financeira do jornal — embora entenda pouco desses assuntos — mas constatei com alívio que o marketing, ao menos, se recomendava. Nomeadamente:
- a criação de suplementos dirigidos aos leitores que escapavam ao perfil tradicional, permitindo ao diário fidelizar toda a família, com cadernos infantis e revistas sobre bem-estar ou temas espirituais.
- o lançamento de colecções de qualidade, principalmente os clássicos da literatura, que enriqueciam a marca e aumentavam, espero, os lucros.
- campanhas de publicidade razoáveis (coisa absolutamente extraordinária em Portugal).
- uma presença online que fazia a ponte com a juventude esclarecida e com a blogosfera em particular.
O jornal equilibrava bem os grandes temas com a pequena informação, chegando a ser luxuoso no tratamento da política internacional, e, embora não se destacasse no jornalismo de investigação (quem o faz, aqui na Bielorrússia?), reuniu depressa uma bela equipa de colunistas talentosos que em parte ainda mantém.
Enfim, era um produto magnífico — e seria maravilhoso, se desse dinheiro.
Não sei qual foi o motivo, mas ao fim de alguns anos os responsáveis do diário perderam o Norte. Os erros grosseiros acumularam-se um atrás do outro:
- o Público deixou de disponibilizar informação gratuita na internet. Qualquer estagiário competente devia saber que a decisão, entretanto corrigida, era suicidária. Um dia talvez fale a este respeito com mais detalhe.
- o Público alienou a esquerda moderada, que o lia em massa. Primeiro por causa das críticas quase diárias aos funcionários públicos, muitas vezes justas mas deselegantes. Toda a gente sabe que a esquerda com dinheiro, em Portugal, vive normalmente em contacto próximo com o aparelho de Estado. Atacá-la, naqueles termos, significaria inevitavelmente perder leitores.
- O apoio do seu director às teses neorepublicanas da Administração Bush e, em particular, à desastrosa guerra do Iraque, não ajudou o jornal. O relacionamento da opinião pública portuguesa com a América é complexo, e ignorar isso tem consequências.
- A refundação do Diário de Notícias fez com que o Público deixasse sair alguns colunistas talentosos de centro-esquerda, exactamente os que podiam contrariar os desvarios reaccionários de José Manuel Fernandes. Os leitores que não mudaram para o DN ficaram com o historiador-guerreiro Rui Ramos, com as jeremiadas do Pacheco Pereira, com a blasfema Helena Matos e claro, com as catilinárias da Maria de Fátima Bonifácio (entretanto misericordiosamente desaparecida). Um triste espectáculo, como se vê.
- Veio, depois, a cereja em cima do bolo: o lançamento de vários projectos liderados pela nossa direita ultraliberal, como é o caso da Atlântico, ou da ridícula revistinha Dia D. A Atlântico é um projecto interessante, com que o Público não ganhou absolutamente nada: não atraiu leitores novos, nem conquistou uma imagem revitalizada que permitisse ao jornal fazer as pazes com os leitores que perdera.
Quanto à Dia D, que poderemos dizer? Foi um derradeiro insulto à inteligência dos seres pensantes que ainda se dignavam a folhear aquele pasquim escalavrado. Uma homenagem reles e provinciana ao comércio livre, mal escrita, mal argumentada, sectária e triste. Um testemunho deprimente da miséria intelectual em que incorremos quando o chão nos falha e os deuses se silenciam para sempre.
Com o primeiro e patético número da Dia D, todos ficámos a saber que o Público enfrentava o seu irrecuperável crespúsculo.
Irrecuperável?
Talvez não. O Vasco Pulido Valente, como um Mencken torturado, mantém ainda a sua star quality. A Teresa de Sousa continua excelente a falar da Europa. O Rui Tavares revela-nos uma esquerda que não é folclórica, arruaceira ou escandalosamente alienada. Os temas desenvolvidos nas primeiras páginas costumam ser, ainda, interessantes. Os suplementos são francamente bons.
O Público tem, neste momento, um único problema facilmente resolúvel: o seu director. É ele, apenas ele, quem impede o jornal de recuperar o brilho que perdeu.
Tal como a Bush, já não há volta a dar a José Manuel Fernandes. Venha o Sérgio Figueiredo: ele saberá o que fazer.