segunda-feira, novembro 06, 2006

 

FÃ DA CAIXA...

Com a devida vénia a Rui Santos, a notícia segundo a qual a Caixa Geral de Depósitos comprou os direitos de imagem do seleccionador nacional, Luís Filipe Scolari, que vai receber, à conta desse contrato, válido até 2008, cerca de 18 milhões de euros, é no mínimo perturbante.
Nos últimos dias Scolari voltou a entrar com toda a força na vida dos portugueses. Na televisão, através de enigmáticos ‘spots’ publicitários. Nos jornais, também. Já todos tínhamos alcançado a apetência dos Bancos em potenciar a imagem do seleccionador nacional e, com ela, rentabilizar os respectivos investimentos. Foi o BPN, depois a tentativa do BES e, agora, o enigma revelou-se. Ei-la, a Caixa Fã, da CGD, a tentar seduzir os portugueses com o seu próprio dinheiro.
A matéria pode parecer inócua mas a verdade é que ela levanta questões de natureza política, económica, social e ética (…). A CGD é uma sociedade anónima com um único sócio – o Estado. Possui estatutos aprovados pelo Dec. Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, e está sujeita ao regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras como qualquer outro banco. As acções são detidas pela Direcção-Geral do Tesouro e o Estado exerce os seus direitos de accionista através de um representante indicado pelo Ministério das Finanças. Interessa saber, de facto, se há algum mote conflituante entre os interesses do accionista-Estado e os interesses da sociedade-Caixa – como sociedade unipessoal.
(…) Como é que a CGD se sente na confortável situação de fazer contratos, neste caso com Scolari, na ordem dos 18 milhões de euros? As numerosas famílias portuguesas que pedem empréstimos à Caixa para poderem usufruir de habitação própria não terão legitimidade para questionar o Estado que por sua vez não questiona o respectivo Conselho de Administração daquela instituição bancária? Os portugueses estão à espera de que a CGD faça contratos milionários com Scolari ou aspiram a que a CGD reduza as taxas de juro e os ‘spreads’ que afectam milhões de cidadãos? Então, onde reside a vocação de alcance social proclamada estatutariamente pela Caixa? O interesse do Estado, neste caso, é de natureza política? Porquê?
A situação que envolve as parcerias com o Benfica avaliadas em mais de 30 milhões de contos é um pouco diferente, mas também pode levantar o mesmo tipo de questões. A CGD não é um banco privado nem uma multinacional, habituados a patrocinar figuras públicas, muitas das quais ligadas ao Desporto, ou diversos tipos de eventos. A Caixa, que tem como único sócio o Estado, deveria utilizar os dinheiros públicos em benefício da Comunidade e não de ‘comunidades’ ou de interesses pouco claros. Até que ponto Scolari poderá contribuir para os portugueses verem o valor das suas prestações diminuídas no âmbito do crédito à habitação?

NOTA: A CGD esclarece que a ligação a Scolari se enquadra na campanha publicitária Caixa Fã, cuja iniciativa envolve um investimento global de 16 milhões de euros. Quer dizer: ficamos sem saber o valor exacto a receber pelo seleccionador mas a questão de fundo mantém-se. E se se confirmar que a CGD está a ‘suportar parte do salário do treinador’, a coisa ainda fica mais preta.

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