quinta-feira, julho 06, 2006

 

A maldição de monsieur Xavier

Tendo em conta o que se passou ontem em Munique, esta crónica devia começar por um palavrão curto, grosso e cabeludo. Mas (há sempre um mas) contento-me com um magoado “porra!”, uma interjeição relativamente benigna que, segundo o dicionário de língua portuguesa, exprime irritação ou descontentamento. Tem um outro significado mais escatológico mas isso agora não interessa nada. E repito três vezes, uma por cada vez que os franceses nos despacharam para casa em meias-finais: Porra, porra, porra!

Desta vez doeu mais do que quando os franceses nos eliminaram nos europeus de 1984 e de 2000. E doeu mais porque até ao árbitro uruguaio assinalar a grande penalidade de Ricardo Carvalho sobre Thierry Henry, a França estava a levar um banho de bola. Temeroso ao princípio, o nosso meio-campo foi-se soltando e começou a construir jogadas de filigrana, que mereciam melhor acabamento, sobretudo de Pauleta. Mas então Henry mergulhou na nossa área e proporcionou a Zidane a oportunidade de fazer o que melhor sabe: mandar portugueses para casa com grandes penalidades duvidosas. Logo ele, Zidane, o mais famoso pré-reformado do mundo, que até aí estava a passar ao lado do jogo.

Portugal reagiu com bravura, Scolari pegou-se com Raymond Domenech, os jogadores aceleraram, e a matreira França começou logo a queimar tempo, que isso de jogar bonito e ganhar só acontece nos anúncios da Nike e da Pepsi. Confesso que nessa altura lembrei-me de Sobrenatural de Almeida, o tal personagem criado por Nelson Rodrigues quem tem a desagradável tendência intervir no jogo para estragar tudo e frustrar os adeptos. Teria sido Sobrenatural a puxar o pé de Henry? Teria sido Sobrenatural a tapar a visão ao árbitro quando Cristiano Ronaldo foi empurrado na área?

A resposta chegou pela televisão. No meio da assistência, as câmaras descobriram a lourice de Abel Xavier, o jogador mais azarado do mundo, o homem que meteu a mão à bola dentro da área no europeu de 2000, no jogo decisivo contra os franceses. Nesse momento percebi que não íamos conseguir empatar. O jogo podia durar dois dias, mas Barthez, um dos piores guarda-redes deste mundial, não seria batido. Nem a minha camisa-talismã com o escudo de Portugal manchado de chocolate seria capaz de inverter a situação. A maldição de monsieur Xavier, o Sobrenatural de Almeida luso, tinha voltado a fazer das suas. Merde!

(Futebol é paixão. E a paixão cega. Abel Xavier que me desculpe, mas cada um lida com a decepção à sua maneira).

Texto do PUBLICO


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