quinta-feira, junho 22, 2006
Torcer pela França?
Dá-me sempre um certo gozo ver a selecção francesa
Nesse ano, Portugal tinha quatro treinadores e mesmo assim morreu na praia depois de ter estado a vencer durante grande parte do jogo. Quatro treinadores. Um “principal”, Fernando Cabrita , um bom homem que imortalizou a frase “Vamos a eles como Tarzões”. E três adjuntos, em representação do Benfica, FC Porto e Sporting (só isto basta para dar razão a Costinha quando ele diz que durante muito tempo foram os clubes que mandaram na selecção). E dentro do terreno tínhamos o melhor Chalana de sempre, e ainda Jordão, Sousa, Jaime Pacheco, Carlos Manuel e tantos outros representantes de uma geração de ouro que ganhou pouco ou quase nada a nível internacional.
E como esquecer, ainda, a derrota que a França voltou a impor-nos no Europeu de 2000? Depois de uma batalha épica e já no prolongamento (é nossa sina sermos um país e uma selecção que “quase chegou lá”) Abel Xavier cortou a bola com a mão dentro da área. Enquanto um país inteiro deitava as mãos à cabeça e os nossos jogadores protestavam com o bandeirinha eslovaco que denunciou a infracção de Xavier, Zinedine Zidane levou a bola para a marca do penalti e esperou. Cabeça baixa, o suor escorrendo-lhe em bica do queixo, olhos fixos no relvado, alheio a tudo. E quando o estádio sossegou, mandou-nos para casa com um remate certeiro.
Este azedume em relação aos franceses se calhar impediu muita gente (impediu-me a mim, pelo menos) de reconhecer a superioridade da selecção francesa no Mundial de 1998. Nem o rosto de Zidane projectado no Arco do Triunfo, símbolo máximo de uma França moderna e multi-racial, comoveu os mais empedernidos. E que atire a primeira pedra quem não sentiu um frémito de gozo ao ver a péssima carreira dos gauleses em 2002.
É tempo, porém, de emendar a mão. De dar o braço a torcer. Suspenso por ter visto dois cartões amarelos, Zidane corre o risco de se despedir sem brilho do futebol se a sua equipa não ganhar ao Togo. O olhar ressentido que Zidane dirigiu ao treinador francês, quando foi substituído no jogo com a Coreia do Sul, não pode ser o gesto de despedida de um dos maiores futebolistas de sempre. Zidane precisa de voltar a pisar o relvado, de disciplinar o caos como só ele sabe fazer, precisa de nos voltar a espantar, a comover, a enfurecer. Os seus companheiros de equipa devem-lhe muito e até por isso têm a obrigação de levar a França para os oitavos de final. Digo isto com o coração a sangrar: sexta-feira vou torcer pela França. Por Zinedine Zidane.
(Texto do PÚBLICO)