quinta-feira, junho 15, 2006

 

Ondas de Paixão

Com a devida vénia trancrevo aqui algumas opiniões do meu amigioTiago Mendes. Ondas de paixão? Tudo a favor, se forem vividas individualmente. E de forma consciente. Que é como quem diz: seja responsável, entusiasme-se com moderação. No dicionário, encontramos: intenção, propósito, projecto. Indícios de que um desígnio tem uma forte carga subjectiva. Em Portugal é difícil que esta palavra não traga associada uma outra: nacional. Tivémos a Expo-98, o Euro-2004 e, recentemente, o namoro falhado com o nuclear. Tudo grandiosos ”desígnios nacionais”. Os quais, como é natural (dadas as suas dimensões), não dispensaram alguma polémica. Uma notável excepção, pela sua larga indisputabilidade, é a ideia lançada há algum tempo por José António Saraiva em ”Um destino para Portugal”. Falamos, claro, do ”mar”. No seu artigo, Saraiva, anuncia: ”O futuro de Portugal passa, pois, pelo restabelecimento da relação com o mar a que irresponsavelmente voltámos costas. (...) Falta-nos um rumo, qualquer coisa que nos oriente. (...) Por razões históricas, políticas, militares e económicas, deve ser este o destino de Portugal.” O seu estilo, entre o poético e o saudosista, agrada e galvaniza. A ideia do regresso ao mar (uma infância colectiva perdida onde fomos felizes?) torna-se terreno fértil para disputas retóricas inconsequentes. A prova é que não há, hoje, panfleto político que não inclua loas ao seu poder curativo para os males do país. Sejamos claros: é a tónica posta no colectivo que surpreende. Refere-se a ”nossa” (des)orientação, a ”nossa” (ir)responsabilidade, o ”nosso” destino. Mas não é a felicidade algo individual, subjectivo, dificilmente comparável e agregável? Não é cada pessoa responsável pelo seu destino? E aqui, a propósito do Mundial da Alemanha, entra em campo Luís Delgado: ”Precisamos de alegrias, de bons resultados, de animação e convicção (...) para nos ajudar a passar (...) os momentos de crise, angústia e dificuldade que vivemos há muitos anos” (DN, 05-06-06). Mais uma vez, nas duas dimensões apresentadas – os estados de alma e a sua cura –, a ênfase no colectivo é bem mais que reincidente. Não querendo parecer excessivamente individualista, desconfio do potencial de alienação deste tipo de discurso, seja em relação ao mar, ao futebol ou a qualquer outro sonho abrangente. Também não creio que combater mitos sebastianistas com mais sebastianismo seja eficaz. Acredito, até, que um cidadão quando confrontado com o messianismo desresponsabilizador de um ”desígnio nacional”, veja uma certa afronta. Ondas de paixão? Tudo a favor, se forem vividas individualmente. E de forma consciente. Que é como quem diz: seja responsável, entusiasme-se com moderação.

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