domingo, junho 11, 2006

 

A coisa aqui tá preta?

A bola já rola na Alemanha e nós por cá
sempre na mesma. As televisões sufocam-nos
com futebol e já não há ninguém que
não esteja a par do estado físico do Deco, dos
amores de Cristiano Ronaldo ou dos gostos
musicais de Costinha e Figo. Toda a gente viu
que Gilberto Madail pintou o cabelo de louro e
toda a gente viu que o primeiro golo da Costa
Rica foi marcado em fora-de-jogo. Luís Filipe
Scolari vende-nos relógios e vende-nos esperança.
Se as coisas correrem mal, o país volta
a mergulhar em depressão e Scolari regressa
ao Brasil quatro milhões de euros mais rico.
Quatro milhões e mais alguns trocos, ganhos
com os relógios.
Chico Buarque, compatriota do nosso seleccionador
nacional, já explicou tudo numa
canção escrita há 30 anos mas que permanece
mais actual do que nunca: “Aqui na terra ‘tão
jogando futebol/ Tem muito samba, muito
choro e rock’n’roll/ Uns dias chove, noutros
dias bate sol/ Mas o que eu quero é lhe dizer
que a coisa aqui tá preta”. É, a coisa aqui está
preta, mas não há desgraça que sempre dure.
O sol bate, inclemente, e os pinhais
deflagram em chamas, mas os incêndios já
não fazem a abertura dos telejornais, porque
há outros assuntos mais emocionantes
relacionados com a bola que rola. Esqueça-se
a inflação, o desemprego, os chumbos a
Matemática, os fechos das maternidades,
a guerra no Iraque. É tão longe o Iraque.
Outros valores mais altos se levantam. E
que ninguém se queixe. Mundial de Futebol
é para isso mesmo. Durante 30 dias, o país
esquece as agruras do dia-a-dia e sublima
as frustrações de cachecol ao pescoço, insultando,
enrouquecido, o árbitro ou rugindo de
alegria com os golos “dos nossos rapazes”.
Vamos curtir, vamos ganhar, vamos sonhar.
E depois logo se vê.

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