segunda-feira, abril 03, 2006

 

Mário VIegas

Completaram-se no dia 1 de Abril dez anos sobre a morte de Mário Viegas. Tive a oportunidade de lhe fazer a última grande entrevista. Poucos dias antes da sua morte esteve em Aveiro a apresentar o seu manifesto de candidatura à Presidência da República. Foi no programa Sociedade Anónima (Hélder Castanheira, Rui Baptista e Victor Mangerão). Nesse dia só estive eu e o Victor. O Rui estava de serviço no Porto. Foi uma experiência única. Guardo com emoção o manifesto “comentado” pelo Mário Viegas (O Sonho ao Poder), os apontamentos e as notas que ia tirando ao longo do programa e a poesia deslumbrante que leu, numa folha arrancada de um livro que lhe levei.
«Mário Viegas era um poeta, um homem que dizia poesia de uma forma admirável. Era um grande actor e encenador e teve sempre uma liberdade de espírito e um poder criativo extraordinário. Quem não se lembra da espantosa criação, continuamente renovada, que foi o espectáculo "Europa Não! Portugal Nunca"? Mário Viegas sempre deu o seu testemunho sobre a vida social e política e, além de criador, foi um homem muito inserido no seu tempo, que deixa uma grande obra.» (Dr. Jorge Sampaio, Presidente da República, citado in "A Capital", 1 de Abril de 1996).
Discípulo da escola brechtiana de teatro vivo e actuante, Mário Viegas fez tudo o que de melhor se pode fazer nas artes de palco. Sem claudicar. Mais do que «apenas um actor de teatro», como gostava de se definir, foi um interveniente, um recriador de palavras. Vinícius de Morais comoveu-se até ao arrepio quando ouviu a sua interpretação de "Trópico de Cancer", Almada Negreiros morreu sem imaginar que o seu "Manifesto Anti-Dantas" havia de renascer um dia com tanto vigor, Mário-Henrique Leiria deve boa parte da popularidade que alcançou postumamente ao talento deste Mário Viegas que um dia trocou Santarém pela grande cidade e tornou-se no maior actor da sua geração.
Mário Viegas, um «homem da palavra e de palavra» (Frei Bento Domingues, citado in "Público", 3 de Abril de 1996), ficará recordado pelo «seu exemplo de homem livre e insubmisso, o seu amor à cultura, à poesia, ao teatro e ao cinema, a qualidade e a inteligência do seu humor» (Presidente da República, citado in "Semanário, 4 de Abril de 1996). «Impetuoso, rebelde, com o gosto da provocação, se alguém fosse redutível a palavra, excesso seria talvez a mais adequada a uma tentativa de definir Mário Viegas» (Elisabete França, "Diário de Notícias, 2 de Abril de 1996).
Desconcertante até na morte, partiu a 1 de Abril de 1996, dia das mentiras, com 47 anos, deixando aparvalhados os amigos e a legião de admiradores do seu talento e da sua verticalidade. Como herança, deixou a sua memória de uma arte que reinventou com invulgar mestria de cada vez que subiu ao palco. Fosse na pele de "D. João V", de "Baal", ou "A Espera de Godot", no cinema onde criou o memorável "Kilas", fosse ainda como divulgador de poesia, onde teve um papel só comparável ao de João Villaret, deixando disso testemunho em mais de uma dúzia de registos discográficos e em duas séries de programas de televisão que deram a conhecer também o grande humorista que sempre foi: total, radical, verdadeiro, absoluto. A doer, como a vida…

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