domingo, março 19, 2006

 

FERNANDO GIL

O filósofo português Fernando Gil morreu hoje, em Paris. Nascido em 1937, licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa e em Filosofia na Sorbonne, onde se doutorou em Lógica. Entre as obras que publicou, destacam-se "La logique du Nom" (1972), "Mimésis e Negação", "Viagens do Olhar" e "Mediações". Fernando Gil recebeu, em 1993, o Prémio Pessoa, para além de ser galardoado como Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, em 1992. Trabalhei com Fernando Gil na Comissão Instaladora do Forum Internacional de Investigadores Portugueses. A sua marca mais impressionante era a sua ligação a Portugal. Com um percurso de excepção, até do ponto de vista da sua coerência filosófica, Fernando Gil nunca abandonou o País apesar de ser professor em Paris; defendia uma ligação profícua e descomplexada entre investigadores portugueses: os que residiam em Portugal e aqueles que optaram por viver no estrangeiro, como desígnio de um verdadeiro projecto de desenvolvimento.

Recordo o seu livro "A Convicção" onde ensina que não há convicção sem razões, o que faz diferença faz à simples crença; não há razões sem convicção, ao fim e ao cabo, o sentido de uma demonstração é convencer. Simplesmente, tratando-se de uma demonstração completa, ela convencerá a ponto de dispensar a convicção. De uma forma paradoxal, poder-se-ia dizer que a convicção é, a um tempo, o que mais empenha e o que menos empenha. A solução deste aparente paradoxo reside no empenho subjectivo que nos leva a apostar a vida em algo (no limite, o empenho é o do próprio sujeito face a si mesmo quando afirma “Sou!”) estar assente numa objectividade desempenhada. Mas não suficientemente. Trata-se de uma quase necessidade. E se isto permite uma analogia entre uma lógica da necessidade e uma lógica da convicção, que Fernando Gil ensaia, o certo é que é neste “quase”, que faz a diferença entre convicção e necessidade, que se joga todo o sentido que possa fazer o empenho. Fosse demonstrada uma proposição e escusado seria, a seu propósito, afirmar uma convicção. Exemplificando, não se dirá “estou convicto de que 2+2=4”, embora faça sentido dizer “estou convicto de que uma certa política é uma boa política”. Por isto, a convicção jamais chega a ser critério suficiente da verdade. Mesmo as convicções podem ser falsas. O que não quer dizer que não possa ser critério – as convicções permitem afirmar, ainda racionalmente, aquilo que de outro modo não poderíamos afirmar. Este empenho é também a medida de uma seriedade face à verdade – por o sujeito jogar-se na afirmação das suas convicções, estas têm o sentido de uma seriedade que legitima a acção onde esta não possa ser inteiramente demonstrada. E é ainda aqui que se joga o carácter necessitante da convicção – convenço-me porque a isso sou obrigado em virtude de um certo regime de coerência interna das minhas crenças que, caso não me obrigasse a mim próprio, seria posto em causa. No limite, a convicção prende-se com a vida; ela traz, sob a sua obrigação, um esteio na própria identidade do sujeito.

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