quinta-feira, novembro 10, 2005
A vida, descaradamente, em aberto
parte I
Não era como das outras vezes. Das outras vezes, foi como tantas outras vezes.
Desta vez, junto do lugar do ovário, do lado esquerdo, sentia um frio que se distendia do ventre. Uma mão que pressionava quanto baste. Mas isso, ela não sabia explicar muito bem – entrava em pânico quando, numa consulta médica, por exemplo, lhe pediam para descrever o sintoma, o que sentia, como era a dor? - por isso, talvez, não se tenha alongado em detalhes sobre o que sentira.
Apenas conseguia dizer-me que era como uma mão invisível a fazer pressão no lado esquerdo do seu ovário e achava que dizer aquilo e nada, era a mesma coisa.
Descrever uma dor física, um sintoma do corpo, era, para ela, um logro. Descrever uma dor de estômago era, para Rosa Maria, uma missão digna de génio e não dela.
Ficava mais à vontade, a falar de coisas banais, a descrever dores de alma e, principalmente, do coração. A mãe sempre lhe dissera que o coração não dói. E isso sossegava-a. Podia, portanto, dizer o que quisesse, que nunca seria verificável.
O certo é que estava mais nervosa do que nunca. Foi o que me disse, quando me contou como lhe tinha corrido a entrevista.
Tinha lido o anúncio no jornal. Minúsculo rectângulo, entre empregos “à séria”.
Chamaram pelo seu nome e, como não era costume, levantou-se, como que impulsionada por uma mola sem força. Gasta. De tantas vezes se ter dirigido ao sonho, arrancado o sorriso, fazer-se à vida.
Passaria, talvez, a imagem de quem anda devagar, de quem pensa devagar, de quem faz devagar. E, de facto, não era assim. Na rua, tinham de a segurar ou quase correr para lhe acompanharem o passo. Na vida, tinham de lhe por freio aos pensamentos. As coisas quase aconteciam, quase lhe aconteciam, só de as pensar.
De qualquer modo, o frio que se distendia pelo seu ventre, afundou-se com ela numa poltrona de veludo castanho.
- Está confortável? Perguntaram-lhe.
Estaria, não fosse aquele frio, os pulsos abertos, a bola de ténis, em intervalos curtos secos, contra as paredes do estômago, a vida, descaradamente, em aberto.
- Então, diga lá, o que a atrai nesta função?
Não era como das outras vezes. Das outras vezes, foi como tantas outras vezes.
Desta vez, junto do lugar do ovário, do lado esquerdo, sentia um frio que se distendia do ventre. Uma mão que pressionava quanto baste. Mas isso, ela não sabia explicar muito bem – entrava em pânico quando, numa consulta médica, por exemplo, lhe pediam para descrever o sintoma, o que sentia, como era a dor? - por isso, talvez, não se tenha alongado em detalhes sobre o que sentira.
Apenas conseguia dizer-me que era como uma mão invisível a fazer pressão no lado esquerdo do seu ovário e achava que dizer aquilo e nada, era a mesma coisa.
Descrever uma dor física, um sintoma do corpo, era, para ela, um logro. Descrever uma dor de estômago era, para Rosa Maria, uma missão digna de génio e não dela.
Ficava mais à vontade, a falar de coisas banais, a descrever dores de alma e, principalmente, do coração. A mãe sempre lhe dissera que o coração não dói. E isso sossegava-a. Podia, portanto, dizer o que quisesse, que nunca seria verificável.
O certo é que estava mais nervosa do que nunca. Foi o que me disse, quando me contou como lhe tinha corrido a entrevista.
Tinha lido o anúncio no jornal. Minúsculo rectângulo, entre empregos “à séria”.
Chamaram pelo seu nome e, como não era costume, levantou-se, como que impulsionada por uma mola sem força. Gasta. De tantas vezes se ter dirigido ao sonho, arrancado o sorriso, fazer-se à vida.
Passaria, talvez, a imagem de quem anda devagar, de quem pensa devagar, de quem faz devagar. E, de facto, não era assim. Na rua, tinham de a segurar ou quase correr para lhe acompanharem o passo. Na vida, tinham de lhe por freio aos pensamentos. As coisas quase aconteciam, quase lhe aconteciam, só de as pensar.
De qualquer modo, o frio que se distendia pelo seu ventre, afundou-se com ela numa poltrona de veludo castanho.
- Está confortável? Perguntaram-lhe.
Estaria, não fosse aquele frio, os pulsos abertos, a bola de ténis, em intervalos curtos secos, contra as paredes do estômago, a vida, descaradamente, em aberto.
- Então, diga lá, o que a atrai nesta função?