domingo, novembro 13, 2005
Coisas de Aveiro
Cada um sabe por que ficou em casa
Mais de um mês depois das eleições autárquicas, ainda há muita gente que não percebeu por que razão o socialista Alberto Souto perdeu as eleições na Câmara Municipal de Aveiro. Afinal, dois dias antes da ida às urnas, os socialistas garantiam em voz alta "que estava no papo". O próprio Alberto Souto falava em eleger seis vereadores, em conseguir a maioria absoluta que lhe permitiria dispensar "os favores" do social-democrata Domingos Cerqueira, que de tanto ajudar a gestão socialista acabou zangado com o seu partido.
Do outro lado da barricada, a vitória de Élio Maia e da coligação Juntos por Aveiro foi acolhida com uma extraordinária euforia, que ainda não se dissipou. Nem os elementos mais dedicados da candidatura acreditavam ser possível derrotar com tanta clareza Alberto Souto. Afinal, o socialista era considerado o "autarca-modelo" do seu partido, e tinha, inegavelmente, obra feita. Durante os oito anos da sua gestão, Aveiro perdeu o seu lado paroquial, provinciano, bafiento. Souto tinha obra para mostrar e surgia como um político moderno, que não tropeçava nas palavras e prestigiava o concelho. É caso para perguntar: afinal, o que foi que correu mal? (Ou o que é que correu bem, se adoptarmos a perspectiva dos vencedores).
Tal como aconteceu na vitória de Rui Rio no Porto, há quatro anos, houve uma extraordinária conjuntura de factores. Foi como se os planetas todos se tivessem alinhado, criando uma corrente cósmica a favor do independente Élio Maia. Isso é, pelo menos, do que nos querem convencer alguns socialistas, que continuam a considerar a vitória da coligação como "um bambúrrio de sorte". Eles estão em parte certos, claro, mas já é tempo de reconhecer que a vitória de Élio Maia não teve nada de sobrenatural. As coisas dificilmente poderiam ter corrido melhor para a coligação, mas houve por ali muitos erros dos socialistas. Erros que se pagam caros. E se o PS quer ser levado a sério como oposição nos próximos quatro anos, tem que fazer um exame de consciência e arrepiar caminho.
Para começar, os socialistas e os apoiantes de Alberto Souto - que vai ser homenageado nos próximos dias por um grupo de cidadãos não tão anónimos quanto isso - têm que se compenetrar que o primeiro passo para ganhar eleições é... votar. Uma abstenção superior a 50 por cento, como se verificou em Aveiro, só podia beneficiar objectivamente o underdog. Cada um sabe por que ficou em casa. Mas muita gente simplesmente não votou porque nunca acreditou que Souto perdesse. E o candidato contribuiu para o clima geral de euforia ao recusar-se a fazer campanha. Nem um comício, um jantar, um momento que mobilizasse mais do que a pequena corte que acompanhava o príncipe, isolando-o do povo. E depois havia ainda a tralha socialista, aquela que nunca ultrapassou o ressentimento de ver Souto conquistar Aveiro e a seguir conquistar a Federação Distrital do PS.
Élio Maia perdia os debates organizados pelas rádios (e isso é inegável), apresentava tarde e a más horas um programa eleitoral cheio de generalidades e evidências, mas compensava a falta de brilho com muito trabalho. Muito. Dia após dia, calcorreou as freguesias, bateu à porta das pessoas, cobrou favores antigos (não se passam 16 anos como presidente de junta de freguesia sem tecer uma teia de contactos), ouviu queixas, prometeu soluções. Virou as costas ao eleitorado urbano, concentrou-se nas zonas rurais, esqueceu os intelectuais e os ricos e os supostamente poderosos, e sentou-se com o povo. Foi o confidente dos pequenos empresários que estão há dois, três anos a tentar cobrar o dinheiro que a câmara lhes deve. Souto prometia fazer da ria de Aveiro Património da Humanidade, Élio só queria que os serviços da autarquia deixassem de cobrar 60 cêntimos (120 escudos!) por uma fotocópia. Souto andava nas nuvens, Élio tinha os pés assentes na terra. E, na hora da verdade, os apoiantes de Élio saíram de casa e foram votar. E isso acabou por ser decisivo. Cada um sabe por que ficou em casa. Mas agora não se queixem.
(Texto publicado hoje no caderno Local Centro do PÚBLICO)
Mais de um mês depois das eleições autárquicas, ainda há muita gente que não percebeu por que razão o socialista Alberto Souto perdeu as eleições na Câmara Municipal de Aveiro. Afinal, dois dias antes da ida às urnas, os socialistas garantiam em voz alta "que estava no papo". O próprio Alberto Souto falava em eleger seis vereadores, em conseguir a maioria absoluta que lhe permitiria dispensar "os favores" do social-democrata Domingos Cerqueira, que de tanto ajudar a gestão socialista acabou zangado com o seu partido.
Do outro lado da barricada, a vitória de Élio Maia e da coligação Juntos por Aveiro foi acolhida com uma extraordinária euforia, que ainda não se dissipou. Nem os elementos mais dedicados da candidatura acreditavam ser possível derrotar com tanta clareza Alberto Souto. Afinal, o socialista era considerado o "autarca-modelo" do seu partido, e tinha, inegavelmente, obra feita. Durante os oito anos da sua gestão, Aveiro perdeu o seu lado paroquial, provinciano, bafiento. Souto tinha obra para mostrar e surgia como um político moderno, que não tropeçava nas palavras e prestigiava o concelho. É caso para perguntar: afinal, o que foi que correu mal? (Ou o que é que correu bem, se adoptarmos a perspectiva dos vencedores).
Tal como aconteceu na vitória de Rui Rio no Porto, há quatro anos, houve uma extraordinária conjuntura de factores. Foi como se os planetas todos se tivessem alinhado, criando uma corrente cósmica a favor do independente Élio Maia. Isso é, pelo menos, do que nos querem convencer alguns socialistas, que continuam a considerar a vitória da coligação como "um bambúrrio de sorte". Eles estão em parte certos, claro, mas já é tempo de reconhecer que a vitória de Élio Maia não teve nada de sobrenatural. As coisas dificilmente poderiam ter corrido melhor para a coligação, mas houve por ali muitos erros dos socialistas. Erros que se pagam caros. E se o PS quer ser levado a sério como oposição nos próximos quatro anos, tem que fazer um exame de consciência e arrepiar caminho.
Para começar, os socialistas e os apoiantes de Alberto Souto - que vai ser homenageado nos próximos dias por um grupo de cidadãos não tão anónimos quanto isso - têm que se compenetrar que o primeiro passo para ganhar eleições é... votar. Uma abstenção superior a 50 por cento, como se verificou em Aveiro, só podia beneficiar objectivamente o underdog. Cada um sabe por que ficou em casa. Mas muita gente simplesmente não votou porque nunca acreditou que Souto perdesse. E o candidato contribuiu para o clima geral de euforia ao recusar-se a fazer campanha. Nem um comício, um jantar, um momento que mobilizasse mais do que a pequena corte que acompanhava o príncipe, isolando-o do povo. E depois havia ainda a tralha socialista, aquela que nunca ultrapassou o ressentimento de ver Souto conquistar Aveiro e a seguir conquistar a Federação Distrital do PS.
Élio Maia perdia os debates organizados pelas rádios (e isso é inegável), apresentava tarde e a más horas um programa eleitoral cheio de generalidades e evidências, mas compensava a falta de brilho com muito trabalho. Muito. Dia após dia, calcorreou as freguesias, bateu à porta das pessoas, cobrou favores antigos (não se passam 16 anos como presidente de junta de freguesia sem tecer uma teia de contactos), ouviu queixas, prometeu soluções. Virou as costas ao eleitorado urbano, concentrou-se nas zonas rurais, esqueceu os intelectuais e os ricos e os supostamente poderosos, e sentou-se com o povo. Foi o confidente dos pequenos empresários que estão há dois, três anos a tentar cobrar o dinheiro que a câmara lhes deve. Souto prometia fazer da ria de Aveiro Património da Humanidade, Élio só queria que os serviços da autarquia deixassem de cobrar 60 cêntimos (120 escudos!) por uma fotocópia. Souto andava nas nuvens, Élio tinha os pés assentes na terra. E, na hora da verdade, os apoiantes de Élio saíram de casa e foram votar. E isso acabou por ser decisivo. Cada um sabe por que ficou em casa. Mas agora não se queixem.
(Texto publicado hoje no caderno Local Centro do PÚBLICO)