segunda-feira, outubro 24, 2005

 

Exclusivamente para ti...

"O teu olhar ficará sempre no meu olhar quando morrer e, morto, contemplar as planícies que serão o teu olhar a anoitecer lento. O ter olhar ficará nas minhas mãos esquecidas e ninguém se lembrará de o procurar aí. Penso: nunca ninguém se lembra de procurar as coisas onde elas estão, porque ninguém sabe o que pensa o fumo, ou as nuvens, ou um olhar. E tu. Continuarás perdendo o silêncio por mãos esquecidas, irá a enterrar o teu silêncio dentro do meu peito. Mulher tantas vezes repetida na respiração de um lugar passado ou morto. Tempo e vida. Mulher, não sei o que fomos. Sei que, hoje, te possuo. Hoje conheço-te. É meu o teu olhar e o teu silêncio. E de nada me serve já, porque avanço para onde os homens deixam de ser homens. Faço o caminho solitário por entre as ruínas da vida. O caminho onde tudo é muito pouco, e cada uma dessas coisas pequenas é demasiada. Ao meu lado, os destroços de tardes entre as ovelhas e pensamentos que não recordo. Ao meu lado, fragmentos de ti, do meu filho, do meu pai, da minha mãe, da minha irmã. Tu, a estenderes a roupa, na boca do demónio e das pessoas, desmancho, fez um desmancho, rapariguinha, deitada debaixo de um gigante, a dares comida ao nosso filho, rapariguinha rapariguinha, a tua pele, aquele fim de tarde em que fizemos amor".

José Luis Peixoto, Nenhum Olhar

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