terça-feira, agosto 23, 2005

 

Oferta

O que tenho para te dar?
Uma gramatica de sentimentos,
verbos sem complementos de uma vida, os substantivos
mais pobres de um vocabulario intimo- o amor, o desejo,
a ausencia. Que frase construiremos com tao pouco? A
que lexico de paciencia iremos roubar o que nos falta?

Entao, ofereço-te uma outra casa. As paredes têm a
consistencia do verso; o tecto, o peso de uma estrofe.
Abro-te as suas portas; e o sol entra pela janela de uma silaba,
com o seu fogo vocalico, como se uma palavra pudesse aquecer o frio que te envolve.


E pergunto-te: que outras palavras queres? A musica
sonora de um ocio? O fundo luminoso do azul? Poderia dar-te
todas as palavras na caixa do poema; ou emprestar-te
o canto efemero em que se escondem do mundo.

Mas nao e isso que me pedes. E a vida que pulsa
por entre adverbios e adjectivos esfuma-se depressa,
quando procuramos seguir a linha do verso. O que fica?
,perguntas-me. Um encontro no canto da memoria. Risos,
lagrimas, o terno murmurio da noite. Nada, e tudo.

Nuno Judice, "O Estado dos Campos"

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