quinta-feira, agosto 18, 2005

 

Não sei como dizer

Não sei como dizer-te que a minha voz te procura e a atenção começa a florir,
quando sucede a noite esplêndida e casta. Não sei o que quer dizer, quando longamente teus pulsos se enchem de um brilho precioso e estremeces como um pensamento chegado.
quando, iniciado o campo,
o centeio imaturo ondula tocado pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias, dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas de melancolia arrefecem com astros ao lado do espaço e o coração é uma semente inventada em seu ascético escuro e em turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão como se toda a minha cara ardesse pousada na noite. - E então não sei o que dizer junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.

Quando as crianças acordam nas luas espantadas que às vezes se despenham no meio do tempo - não sei como dizer-te que a pureza, dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo os trevos,
a água sobrenatural, o leve e abstracto correr do espaço e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega dos meus lábios, sinto que me falta um girassol,
uma pedra, uma
ave qualquer coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres que dentro de mim é o sol, o fruto, a criança, a água, o leite, a mãe, o amor, que te procuram.

Herberto Hélder

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