domingo, julho 10, 2005

 

Pelourinho

Uma pausa na chuva trouxe centenas de pessoas para o Pelourinho. Lá, onde os escravos eram açoitados, como diz a canção de Caetano, baianas de saia rodada confundem-se com rastafaris e falsos mendigos, tentando "descolar" uns dolares dos turistas. Um raiozinho de sol e de repente o bairro desabrocha em música, rodas de capoeira, senhoras com fitinhas do senhor do Bonfim. Do topo do elevador Lacerda, Salvador surge pardacente, sob um céu de chumbo, os telhados atapetados de ervas, as casas manchadas de humidade, as ruas inundadas de água. Dona Telma está ali desde manhã cedo, encarreirando turistas para duas casas, uma de charutos outra de pedras semi-preciosas. Dona Telma tem sete filhos homens, duas "minas" adolescentes e um ror de netos. Tantos que já não sabe quantos. Recebe um por cento de comissão por cada venda feita aum dos gringos que encaminhou para as lojas. Na altura em que a água caía com força lá andava ela vendendo capas da chuva a cinco reais. "Tenho que trabalhar pelos bichinhos (netinhos), para dar a eles de comer", explica, cara à chuva enquanto me abrigo sob um portal de uma loja. Fui com ela, comprei dois charutos. Dez reais. Um por cento para ela. Tirei-lhe uma foto. Dei-lhe cinco reais. Recebi em troca a sua benção e um sorriso largo. É tão fácil comprar sorrisos nesta terra. Tão fácil que fiquei deprimido. Só um delicioso caldo de sururu foi capaz de me devolver a vontade de prosseguir.
Escrevo num cibercafé com vista para a Igreja Dos Negros, construída com as dádivas dos escravos libertos. É das igrejas menos ricas de salvador e se calhar a mais bonita a seguir ao Senhor do Bonfim. Alia ao lado fica a sede do Afoxé Filhos de Ghandi, o preferido de Jorge Amado, de Caeatano, de tantos outros. Na praça dois travestis escandalosos fazem tranças nos cabelos das menininhas. O sol brilha e com ele brilha o Pelourinho inteiro. Um gringo, um americano, empurra um insistente vendedor de fitinhas e estala uma briga. Um dos travestis avança, tesoura na mão, pronta a abrir a barriga ao gringo gordo, branquelas, suado, suado de medo. Duas mulheres polícia, unhas pintadas de vermelho, lábios pintados de vermelho, escuras como as mulheres rendeiras, salvam o gringo, leva~-no para o abrigo de um café. Volta o batuque da capoeora, homens de tronco nu rodopiam, o largo volta a encher-se de sorrisos. Dona Telma voltou. Está lá fora, a fazer-me sinais com úma das mãos, enquanto outra segura um fitinha do Senhor do Bonfim. Sei que é para mim. Vou aceitar. Começou a chover. Vou lá para fora. O batuque calou-se mas ainda o sinto no meu peito.

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