domingo, julho 24, 2005

 

Lembrem-se do George Constanza

Como deve haver três ou quatro pessoas em Ranhosas da Pedreira que nunca ouviram falar em George Constanza, eu passo a apresentá-lo. O Constanza é aquele careca baixinho, gordinho e caixa de óculos que entra na série Seinfeld, provavelmente a melhor sitcom de sempre. Para os dois milhões de telespectadores da TVI que não sabem o que é uma sitcom eu passo a explicar: sitcom é uma contracção das palavras inglesas situation comedy. Uma comédia de costumes, portanto.
Voltando ao Costanza. O Constanza é um neurótico certificado. É um mentiroso patológico. É um desbocado. Um poltrão. O Constanza é um objecto sexual – ele fala em sexo às mulheres e elas objectam. O Constanza é preguiçoso, é fútil, é cúpido. Mas não é estúpido e lá vai sobrevivendo à custa de pequenos truques. Por exemplo, quase nunca aborda mulheres bonitas por ter medo de ser rejeitado. E quando arranja coragem para meter conversa com as feias, mente. Diz que é arquitecto, ou biólogo marinho, ou que namorou a Marisa Tomei (e desta vez não vou explicar quem é a Marisa Tomei – descubram sozinhos) e nunca reconhece que é um fracassado, um mitómano. Um loser. Constanza é um personagem de ficção mas ao longo da vida todos acabamos por conhecer dezenas de pessoas como ele.
Mas há um episódio de Seinfeld em que Constanza descobre uma fórmula que o vai tornar extremamente popular. Um dia, cansado de insucessos, Constanza decide que vai passar a fazer e a dizer exactamente o contrário do que pensa. Em vez de fugir das mulheres bonitas passa a procurar a sua companhia. Em vez de mentir às feias passa a dizer-lhes a verdade. Em vez de lisongear os poderosos passa a confrontá-los. Ao contrariar os seus impulsos, Constanza torna-se um homem de sucesso. O seu momento de glória é quando, contrariando todos os seus instintos, se apresenta a uma inatingível loura com as seguintes palavras: “Olá, o meu nome é George Constanza, tenho 36 anos, estou desempregado e moro com os meus pais”. E a loura cai-lhe nos braços, esmagada com tanta franqueza.
Imaginemos agora que a loura é o povo português. Sabem quantas vezes ela já ouviu “canção do bandido”? Quantas vezes foi abordada em bares e outros lugares mais esconsos por políticos mais ou menos bem vestidos, mais ou menos bem falantes, que lhe mentiram com todos os dentes que têm na boca? Quantas histórias da carochinha teve a pobre loura de suportar. Quantas vezes teve ela de ouvir um qualquer engravatado a dizer que já namorou com a Marisa Tomei, ou que noutra encarnação foi o Indiana Jones, ou que não vai aumentar os impostos apesar de saber que o défice público das contas do Estado anda lá por cima, a bater nos sete por cento? Vagas sucessivas de pessoas com dificuldade em lidar com o real têm mentido para a nossa loura. Têm dito que vão salvar o mundo ou simplesmente asfaltar a rua onde ela mora. Que vão tirar Portugal da cauda da Europa ou simplesmente dotar a freguesia da loura com uma rede de saneamento básico que funcione, água encanada e outra minudências.
Por isso, eu deixo um conselho aos homens públicos deste país (e digo homens porque as mulheres, mais sábias, têm fugido da política como o Diabo da cruz): lembrem-se do George Constanza. Contrariem os vossos impulsos primordiais. Experimentem de vez em quando dizer a verdade, por muito feia que ela seja. Não exagerem, não inventem casos com a Marisa Tomei, não romanceiem as vossas vidinhas tristes, não se ponham a brincar com a chave falsa de um Porsche porque nós já percebemos que têm um carrinho utilitário tapado com um oleado à porta de um bairro social. Até a loura já percebeu, desmentindo a nunca demonstrada incapacidade das louras para o raciocínio abstracto.

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