quarta-feira, junho 15, 2005
Até já
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Esses mortos difíceis
que não acabam de morrer
dentro de nós; o sorriso
de fotografia, a carícia suspensa, as folhas,
dos estios persistindo
na poeira; difíceis;
o suor dos cavalos, o sorriso,
como já disse, nos lábios,
nas folhas dos livros; não acabam de morrer;
tão difíceis, os amigos.
Os Difíceis Amigos, Eugénio de Andrade
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Aquele que partiu
Precedendo os próprios passos como um jovem morto
Deixou-nos a esperança.
Ele não ficou para connosco
Destruir com amargas mãos seu próprio rosto
Intacta é a sua ausência
Como a estátua dum deus
Poupada pelos invasores duma cidade em ruínas
Ele não ficou para assistir
À morte da verdade e à vitória do tempo
Que ao longe
Na mais longínqua praia
Onde só haja espuma sal e vento
Ele se perca tendo-se cumprido
Segundo a lei do seu próprio pensamento
E que ninguém repita o seu nome proibido.
Sophia de Mello Breyner Andresen