sexta-feira, maio 20, 2005

 

O que este país precisa é de uma vitória do Benfica

Já repararam que toda a gente julga saber o que este país precisa? Toda a gente, sem excepção. Dentro de cada cabeça há uma sentença para endireitar Portugal. "O que este país precisa é de uma ditadura", disse-me uma vez um GNR que me mandou parar para soprar no balão (sou abstémio, safei-me). Já o meu pai, que num dia bom é uma pessoa muito mais moderada, acha que este país precisa mesmo é de políticos mais sérios.
De que precisa afinal este país? De paz, pão, habitação, saúde, educação? De um Governo melhor e de uma oposição mais criativa? De um ministro da Defesa com um maior sentido de conveniências? De um Presidente da República que fale claro? De mais fundos comunitários? De melhores programas de televisão? Se calhar precisa disto tudo ao mesmo tempo e de muito mais.
Aposto que se formos perguntar às pessoas o que elas pensam que o país precisa, as respostas serão surpreendentes. Surpreendentes e um nadinha egoístas, claro. É que a soma do interesse comum é feita de pequenas parcelas individuais. Para uns, o que este país precisa é de mais um casino em Lisboa ou que não faltem charutos cubanos nas tabacarias do Chiado. Outros, mais modestos, contentavam-se com melhores estradas, hospitais mais bem apetrechados, escolas mais seguras, livros mais baratos. É tudo uma questão de escala e de necessidades. Provavelmente, como dizia Miguel Esteves Cardoso no tempo em que os animais falavam, o que este país precisa é que toda a gente "ganhe mais cem contos por mês". É preciso muita má vontade para criticar esta evidência.
Volto a perguntar: de que precisa afinal este país? Por esta altura, os leitores mais impacientes devem estar a pensar que este país precisa mesmo é de gente que fale claro. Mas acontece que eu tenho um resposta para esta magna questão: o que este país precisa é de uma vitória do Benfica no campeonato!
Os portistas, os sportinguistas, os boavisteiros e demais adeptos de clubes (em especial do Beira-Mar, clube da minha terra) não me levem a mal, mas está em causa o interesse nacional. Apelo à vossa compreensão. Deixem lá o Benfica ganhar o campeonato (agora chama-se SuperLiga) e dar uma alegria a seis milhões de portugueses. Eles bem merecem e o Governo agradece. Quando o país vivia contagiado pelo optimismo suicida do engenheiro Guterres, era mais fácil suportar os desaires encarnados (reparem que eu escrevi encarnados e não vermelhos). A equipa arrastava-se pelos relvados, batia uma e outra vez no fundo, não tinha dinheiro para mandar cantar um cego e os seus ex-dirigentes eram presos por suspeitas de corrupção, mas havia sempre a uma luz a brilhar ao fundo do túnel. Ano após ano contratavam-se e despediam-se treinadores, montavam-se equipas-maravilha que se revelavam maravilhosas decepções, mas a malta acreditava, tinha fé em dias melhores.
Foram anos e anos de humilhações dentro e fora da Luz (lembram-se dos 7-1 em Vigo?), de eliminações na primeira ronda nas competições europeias, de dinheiro desbaratado em compra de craques que vieram a revelar-se verdadeiros "pernas-de-pau". A "Nação benfiquista" só não mergulhou numa irremediável depressão colectiva porque, tirando o futebol, a vida corria-lhe bem. Havia crédito para comprar casas e carros, dinheiro para desbaratar em férias no estrangeiro, centros comerciais para explorar ao pé da porta.
Mas agora as coisas mudaram. Para pior. O país inteiro olha com receio para o futuro. Para já, a crise é psicológica, mas ninguém duvide que vêm por aí tempos difíceis. Vêm por aí greves gerais, despedimentos, agitação social. Lendo o Orçamento de Estado para o próximo ano, alguém duvida que 2003 vai ser um ano de vacas muito muito magras?
Portanto, o que este país precisa é de uma vitória do Benfica na SuperLiga. Nem que seja por decreto-lei. Será um momento catártico, tenho a certeza. Vai estimular a economia, promover o consumo (nem que seja de sandes de couratos e cerveja) e devolver a auto-estima a muitos milhões de portugueses. O Benfica é fixe, o resto que se lixe.
(Este texto foi publicado em Maio de 2002 no PÚBLICO. Tratava-se, julgava eu, de um exercício de ironia e de auto-flagelação. Mas agora ganhou para mim um novo sentido. Espero que não traga azar para os encarnados. E agora vou acender uma velinha a Santo Expedito, o padroeiro das causas justas, urgentes e quase sempre impossíveis). RB

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