terça-feira, março 15, 2005
Declaração de Amizade
Como é surpreendente o crepúsculo. Tanto nos eleva à sabedoria milenar de um sol que se vai, mas que volta, como nos remete implacável para o escolho da vulgaridade que desafronta, mas permanece. Acredito ainda que é deste gonismo e antagonismo que surge a luz, no seu esplendor de lucidez e caminho. Aliás, sempre acreditei nisso: «Nunca me esqueço do que sinto». São essas as minhas convicções antigas, genuínas, ancestrais. Foram inscritas no ADN da minha existência e lá permanecerão invioláveis até à contagem do tempo. Só uma grande intuição pode ser bússola nos descampados da alma.É aí que procuro e encontro amigos como o Rui.
Aproveito para fumar. Com um charuto caro e os olhos fechados, sou rico. Mas um simples bombom de chocolate escangalha-me os nervos com o excesso de recordações que os estremece. A infância. E entre os meus dentes que se cravam na massa escura e macia, trinco e gosto as minhas humildes felicidades de companheiro alegre do soldado de chumbo e do cavalo de pau. Sobem-me as lágrimas aos olhos e junto com o sabor do chocolate mistura-se ao meu sabor a minha infância ida e pertenço voluptuosamente à suavidade dos dias. Nem por simples é menos solene este meu ritual no paladar. Mas é o fumo do charuto o que mais espiritualmente me reconstroí. Por isso me evoca as horas que morri, mais longínquas as faz presentes, mais nevoentas quando me envolvem, mais etéreas quando as corporizo. Com uma subtil plausibilidade de sabor-aroma empresto outra vez as cores à vida, tão diagonal à certeza rectângula das coisas. Sentemo-nos aqui, Rui. Daqui vê-se mais céu. É consoladora a expansão enorme desta altura estrelada. Dói a vida menos ao vê-la. Não sei de prazer maior em toda a minha vida do que fazer amigos.
Aproveito para fumar. Com um charuto caro e os olhos fechados, sou rico. Mas um simples bombom de chocolate escangalha-me os nervos com o excesso de recordações que os estremece. A infância. E entre os meus dentes que se cravam na massa escura e macia, trinco e gosto as minhas humildes felicidades de companheiro alegre do soldado de chumbo e do cavalo de pau. Sobem-me as lágrimas aos olhos e junto com o sabor do chocolate mistura-se ao meu sabor a minha infância ida e pertenço voluptuosamente à suavidade dos dias. Nem por simples é menos solene este meu ritual no paladar. Mas é o fumo do charuto o que mais espiritualmente me reconstroí. Por isso me evoca as horas que morri, mais longínquas as faz presentes, mais nevoentas quando me envolvem, mais etéreas quando as corporizo. Com uma subtil plausibilidade de sabor-aroma empresto outra vez as cores à vida, tão diagonal à certeza rectângula das coisas. Sentemo-nos aqui, Rui. Daqui vê-se mais céu. É consoladora a expansão enorme desta altura estrelada. Dói a vida menos ao vê-la. Não sei de prazer maior em toda a minha vida do que fazer amigos.