quarta-feira, dezembro 29, 2004
O ESPELHISMO
Salvo erro, foi Eugénio Lisboa quem afirmou ser quase impossível ficar
indiferente perante uma doentia, cobarde e ridícula tendência portuguesa para
estar bem com todos. Em mais nenhuma parte do mundo existem tantos
amigos de tanta gente.
Por muito que se insultem e traiam, seja em particular ou em público,
dois portugueses, quando se encontram, desfazem-se em desculpas: aquilo foi
uma precipitação... eu gosto muito de si, sabe ?
Esperamos é que se a tendência se mantiver, não se caia na tentação
de mandar escrever às vítimas cartas como aquela tão célebre, que recebeu
Lord Kimberley: "Ex.mo Senhor: amanhã tencionamos matá-lo. Mas fazemos
questão em dizer-lhe, que não veja nisso nada de pessoal."
Vem isto a propósito de uma ideia central: embora a política corporize
jogos de conflitos e de interesses, de classes e de ideologias, é no seu íntimo
um jogo do erro e da verdade. Por outras palavras, é vital não nos enganarmos
em política.
Apesar dos riscos, porque neste domínio roça-se constantemente o
cinismo ou o ridículo - e este género não admite qualquer forma de
vulgaridade, de banalidade ou de frivolidade -, este fenómeno permite-nos
compreender que a política é uma arte e não simplesmente uma profissão.
Embora seja um erro desprezar aqueles que exercem bem a sua
profissão, não deixa de ser verdade que em política tendo em conta o seu
objectivo, a mediocridade é mais prejudicial do que noutra carreira qualquer.
Afirmar serenamente e com determinação a coragem moral e intelectual,
é hoje um imperativo de quem preza, acima de tudo, a sua própria dignidade.
Ética, convicção e responsabilidade afirmam-se, assim, como princípios
e valores complementares, profundamente enraízados, para que o
pensamento e a acção política não se reduzam àquilo que Weber designou
por "odres cheios de vento, que não sentem nada do que estão a fazer, mas
que unicamente se incendeiam com sensações românticas."
Contudo, a exigência permanece implacável: a política tem de se ligar,
cada vez mais, à ideia de serviço público e de solidariedade voluntária. Só
assim a vida democrática poderá ganhar, sem cair na mediocridade do
predomínio aparelhístico, tão lucidamente analisado por Ortega y Gasset :
"quantos señoritos satisfechos nos rodeiam ?"
É tempo de afirmação, com coragem intelectual: ou defender uma
democracia limpa e séria, ou deixar conspurcar, em nome de ideias há muito
abastardadas, o que resta das convicções autênticas, no meio de um charco
em que a lama cresce e ameaça submergir os que nela escorregam.
Por isso, a acção política exige mais determinação e menos calculismo.
Dito de outra maneira: a sua nobreza não consiste na uniformização,
mas antes na diferenciação. É a resistência ao status quo, a busca do novo...
E o julgamento far-se-à, agora e no futuro, pela sintonia que terão
revelado com a marcha do tempo ou, pelo contrário, os que apenas serão
epifenómenos do romance do poder.
Como diria o Prof. Adriano Moreira, trata-se, afinal, de modificar o
espelho.
indiferente perante uma doentia, cobarde e ridícula tendência portuguesa para
estar bem com todos. Em mais nenhuma parte do mundo existem tantos
amigos de tanta gente.
Por muito que se insultem e traiam, seja em particular ou em público,
dois portugueses, quando se encontram, desfazem-se em desculpas: aquilo foi
uma precipitação... eu gosto muito de si, sabe ?
Esperamos é que se a tendência se mantiver, não se caia na tentação
de mandar escrever às vítimas cartas como aquela tão célebre, que recebeu
Lord Kimberley: "Ex.mo Senhor: amanhã tencionamos matá-lo. Mas fazemos
questão em dizer-lhe, que não veja nisso nada de pessoal."
Vem isto a propósito de uma ideia central: embora a política corporize
jogos de conflitos e de interesses, de classes e de ideologias, é no seu íntimo
um jogo do erro e da verdade. Por outras palavras, é vital não nos enganarmos
em política.
Apesar dos riscos, porque neste domínio roça-se constantemente o
cinismo ou o ridículo - e este género não admite qualquer forma de
vulgaridade, de banalidade ou de frivolidade -, este fenómeno permite-nos
compreender que a política é uma arte e não simplesmente uma profissão.
Embora seja um erro desprezar aqueles que exercem bem a sua
profissão, não deixa de ser verdade que em política tendo em conta o seu
objectivo, a mediocridade é mais prejudicial do que noutra carreira qualquer.
Afirmar serenamente e com determinação a coragem moral e intelectual,
é hoje um imperativo de quem preza, acima de tudo, a sua própria dignidade.
Ética, convicção e responsabilidade afirmam-se, assim, como princípios
e valores complementares, profundamente enraízados, para que o
pensamento e a acção política não se reduzam àquilo que Weber designou
por "odres cheios de vento, que não sentem nada do que estão a fazer, mas
que unicamente se incendeiam com sensações românticas."
Contudo, a exigência permanece implacável: a política tem de se ligar,
cada vez mais, à ideia de serviço público e de solidariedade voluntária. Só
assim a vida democrática poderá ganhar, sem cair na mediocridade do
predomínio aparelhístico, tão lucidamente analisado por Ortega y Gasset :
"quantos señoritos satisfechos nos rodeiam ?"
É tempo de afirmação, com coragem intelectual: ou defender uma
democracia limpa e séria, ou deixar conspurcar, em nome de ideias há muito
abastardadas, o que resta das convicções autênticas, no meio de um charco
em que a lama cresce e ameaça submergir os que nela escorregam.
Por isso, a acção política exige mais determinação e menos calculismo.
Dito de outra maneira: a sua nobreza não consiste na uniformização,
mas antes na diferenciação. É a resistência ao status quo, a busca do novo...
E o julgamento far-se-à, agora e no futuro, pela sintonia que terão
revelado com a marcha do tempo ou, pelo contrário, os que apenas serão
epifenómenos do romance do poder.
Como diria o Prof. Adriano Moreira, trata-se, afinal, de modificar o
espelho.