sexta-feira, maio 28, 2004

 

O Cego de Sevilha

Escrevo este post ainda com os dedos besuntados por uma deliciosa tortilha de cebola. Deu-me ganas de comer tortilha quando ia a meio d' O Cego de Sevilha", o último romance de Robert Wilson, que se tornou conhecido entre nós com O Último Acto em Lisboa. Como o título indica, o romance passa-se na capital da Andaluzia, e, à boa maneira de Wilson, tem como personagem central um homem torturado pelo seu passado, cuja vida vai aos poucos entrando numa espiral de abandono que roça a loucura. A solidão, a terrível solidão dos abandonados, trespassa o livro como uma corrente de ar frio, perturbando muito mais o leitor do que os crimes violentos que são o fio condutor da história. Wilson escreve com ritmo, é um mestre nos diálogos, mas, apesar do esforço, não consegue penetrar na alma andaluza, ficando-se pelos esterótipos habituais: touros de morte, as señoras com mantilha e travessa nos cabelos asa de corvo, a Giralda banhada pelo sol do meio dia. Mas há ali vontade de vislumbrar mais longe do que o olhar alcança, em especial nas cenas na arena, na descrição da morte falhada do touro, nas verónicas do matador que o conduzirão a um fim feito de sangue e glória. Sevilha permanece um mistério para Wilson, mas ninguém o pode acusar de não ter investido sobre a cidade e as suas gentes com a fúria de um touro criado em liberdade vigiada numa finca andaluza.
O livro lê-se sem esforço, mas, custa dizê-lo, não resulta. Wilson tentou alinhavar muitas histórias e no final viu-se em apuros para arranjar um desfecho verosímil. E o diário em itálico, introduzido à martelada para dar um sentido à história, é demasiado analítico e arrumadinho para ser convincente. Há ali personagens a mais, enredos a mais, e um realismo de acrílico servido por uma abordagem psicanalítica pescada na Internet ou numa enciclopédia manhosa. Salvam-se alguns momentos excepcionais de paixão quando o escritor relata com vigor e abundância de pormenores a degradação física de Xavier Falcon. E é só.

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