quinta-feira, abril 22, 2004

 

Revisão Constitucional

Quase em segredo, o BCI (Bloco Central de Interesses, originalmente composto pelo PSD e pelo PS e que agora agrupa também o PP de Paulo Portas) levou hoje a cabo uma estranha revisão constitucional. Em traços largos, a revisão passa por um reforço dos poderes das autonomias dos Açores e da Madeira; remete para a lei geral a imposição de um limite ao número de mandatos dos eleitos para cargos público; liquida a Alta Autoridade para a Comunicação Social; introduz o princípio da não discriminação em função da orientação sexual do cidadão e estabelece uma norma que prevê a possibilidade de o Estado português ratificar o tratado constitucional da União Europeia.
Vamos por partes.
1 - O cargo de Ministro da República não deixa saudades, mas, mesmo simbólico, o cargo servia para lembrar a Carlos César e a Alberto João Jardim (principalmente a este) que as ilhas ainda são Portugal. Daqui para a frente, como é que vai ser?
2- A limitação de mandatos é praticamente um consenso entre a classe política. Mas, mais uma vez, faltou coragem política para levar a cabo uma reforma fundamental. A nova disposição constitucional não passa de uma declaração de intenções, que obviamente não vai ser cumprida (como não foi cumprido o preceito que apontava para a regionalização do país). Faltou coragem para mexer com os poderes instituídos, para afrontar os dinossauros autárquicos, para desagradar aos caciques. Ao remeter a decisão para a lei, os partidos do BCI demitiram-se das suas obrigações. É pena.
3 - Acabar com a Alta Autoridade para Comunicação Social é uma boa medida, porque este órgão estava claramente anquilosado e servia apenas para perpetuar uma espécie de oligarquia esclarecida. Mas é urgente um órgão regulador para a classe, que parece desnorteada com a avalanche de acontecimentos dos últimos meses e pela aceleração do mundo.
4- O princípio da não discriminação em função da orientação sexual do cidadãos é uma daquelas medidas piedosas, que não aquecem nem arrefecem. Uma medida para inglês ver, que dá um arzinho moderno a quem se lembrou dela, mas que não tem dignidade para justificar uma alteração constitucional. Mas que é um claro sinal dos tempos que estamos a atravessar, onde o essencial é muitas vezes esmagado pelo acessório.
5 - E chegamos ao que interessa. A norma que prevê a possibilidade de o Estado português ratificar o tratado constitucional da União Europeia diz que os tratados da UE e as normas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna portuguesa. E diz ainda que Portugal pode exercer "em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, os poderes necessários à construção e aprofundamento da União Europeia". Ora isto é uma revolução coperniciana. Está aberto o caminho para a Constituição Europeia e para o consequente reforço do federalismo. Perante isto impõe-se a realização de um referendo, que dê ao povo a oportunidade de se pronunciar sobre uma questão que ameaça modificar radicalmente a sua vida. Ou não? O BCI que responda. E depressa, please!

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