sábado, abril 02, 2005

 

há-de ser

Quando eu for grande quero ser o suco límpido que escorre do riso ensandecido da mulher carne. Quero este nada que nos enche de pus. Esta permanência ausente. Quero inverter o dicionário e percorrê-lo de N a F, passando pelas constelações de todos os falópios. Quero ser letra exultante a sair do dedilhar que agride o teclado. Quero ser a pelicula fina do dedo são a libertar os supsiros da carne. E a violência dos dias andados em descompasso. Quero ser, apenas. Grande ou pequeno, quero morrer no útero génese para dele voltar a ser expulso. Parido. Com exuberância, para jamais voltar a ser grande. Até lá, sento-me à mesa à espera desse fogo de alteridade.


"(...) Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua sombra e loucura,
não há vindima ou água
em que estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.

Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida – e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém,
teu silêncio de fogo e leite repõe a força
maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu inicio da música nocturna.
(...)"

Herberto Hélder

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