domingo, novembro 28, 2004
Já basta!
Com as patetadas de Rui Gomes da Silva, a remodelação ridícula da semana passada e a demissão agora de Henrique Chaves, Santana Lopes está a descobrir de forma dolorosa que governar um país é bem diferente do que manter uma tertúlia de engravatados convencidos de que foram postos no mundo para cumprir um destino escrito nas estrelas. Desde a primeira hora (e ainda antes) que se sabia que Santana não tinha capacidade, predisposição ou "entourage" para assumir o cargo de primeiro-ministro. Isso tem sido perfeitamente visível nestes quatro meses de desgoverno santanista, marcados por episódios rídiculos ou simplesmente lamentáveis, marcados por avanços, recuos, contradições, asneiras, erros de "casting" e muitas queixinhas.
Nem quero voltar aqui ao tema da "desgraduação" dos nossos dirigentes políticos, da classe instalada no poder, da própria liderança do PSD. Outros, como Mários Soares, Cavaco Silva ou Freitas do Amaral já se pronuciaram sobre esses assuntos, com mais capacidade, conhecimento de causa, credibilidade ou impacte político.
Mas não posso deixar de lamentar o que se está a passar neste país. No meu país, onde a Lei de Murphy foi completamente pulverizada e deixou de fazer sentido (ora reparem: quando uma pessoa, como Santana Lopes, parece ter atingido na Câmara de Lisboa o grau máximo da sua incompetência, acaba por levar um pontapé para cima - e torna-se primeiro-ministro por sucessão dinástica, ou, como se diz na gíria, "sem saber ler nem escrever"). No meu país que parece caminhar alegremente para o abismo, enquanto a classe política e algumas das suas principais instituições, como o sistema judicial, a própria Presidência da República e o o órgão executivo estão gravamente feridos por um profundo descrédito.
O "santanismo executivo" (a expressão em si já é uma contradição em termos) deitou pela borda fora o que de melhor herdou do barrosismo: meia-dúzia de figuras com credibilidade e pensamento político escorreito, como Marques Mendes ou Manuela Ferreira Leite; uma linha de rumo (discutível, mas pelo menos sempre era uma linha de rumo) em matéria de economia e finanças; e uma higiénica aversão às derivas" portistas" para a direita mais cavernícola. Preferiu ficar com a linha Lisboa-Cascais-Estoril de fatos de bom corte, gravatas berrantes, "sound bytes", cabeça oca e muita empáfia personificada por José Luís Arnaut e seus rapazes. Nuno Morais Sarmento ficou a servir de elo entre o barrosismo e o santanismo, como lhe pediu Durão Barroso, ao princípio contrariado, mas aos poucos foi-se convencendo de que é capaz de voar sozinho. Não é, já se viu. A isto juntou-se o esperado: um punhado de santanistas sem qualquer experiência política ou preparação profissional, que trouxeram de arrasto os iluminados das agências de comunicação, e ainda dois ou três candidatos a senadores com negócios para fechar e sem tempo a perder. Deu nisto: um Governo à deriva, uma crise de identidade no centro e na direita moderada, um país sem rumo, um povo que passou da incredulidade ao desencanto no riscar de um fósforo.
Por mim, acho que chega de paz podre de milagre. Chega de tacticismos, dissimulações, meias-palavras, magistraturas de influência. É preciso agir, separar as águas, voltar às urnas, começar de novo. A "fresh start". Às malvas com a estabilidade podre.